Quando se lembra que um dia a sua vida vai terminar, há algo que você gostaria de ter deixado no mundo? Para alguém ou alguma causa?
Muitas pessoas acreditam que deixar um legado é algo importante. Na mesa de que participei na última Flip com o filósofo Renato Noguera e o escritor Daniel Dornelas, com mediação da jornalista Tatiany Leite, falamos bastante sobre isso. Há quem queira deixar uma marca profissional. Há quem queira deixar escritos, conhecimento.
Já tive esse pensamento. Hoje, legado para mim é, acima de tudo, o material que minha filha vai ter para construir nossas memórias se eu faltar.
A gente sabe que a morte pode acontecer a qualquer momento. Mas costuma imaginar que ainda vai dar tempo de fazer um monte de coisas. Para sensibilizar sobre finitude, envelhecimento e legado, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil produziu a websérie “Legados que transformam”, apresentada por Bete Marin. O programa terá a participação da antropóloga e colunista da Folha de São Paulo, Mirian Goldenberg, e de uma entusiasta do projeto, a cantora Adriana Calcanhotto.
Vi um anúncio sobre o Legado Solidário Unicef e achei interessante pois não conhecia. Nem todo mundo pode doar, mas para quem pode, é importante saber que essa possibilidade existe.
Adriana Calcanhotto
Quando a ideia de legado tem a ver com patrimônio financeiro, é natural que a gente pense que os bens que eventualmente acumularmos sejam destinados aos nossos filhos, familiares próximos ou pessoas muito queridas. Mas nem todo mundo tem vínculos afetivos tão profundos, especialmente ao fim da vida. Além disso, nossos valores e ideias sobre o que queremos fazer com o que construímos também podem ser diferentes, e isso acontece nas variadas classes sociais.
Caio Império Catelli, 81, decidiu deixar uma parte do seu patrimônio para o Unicef. Ele diz que os bens que juntou serviram a ele e sua família durante sua vida, e que lhe parece mais do que razoável que uma parte deles seja aplicada em iniciativas voltadas para crianças.
“Principalmente quem tem condições semelhantes a mim, espero que considerem o seguinte: se a gente viveu, educou e criou os filhos, se eles têm um patrimônio, eu acho que é bem possível que se doe uma parte dele. A gente não vai levar nada, o único bem que a gente leva é o que está dentro da gente”. Para sua esposa, Masako Matsumura, “é muito importante que alguém que tenha alguma coisa a mais passe a dar para outras pessoas que não têm”.
Sei que, mesmo para quem pensa na finitude com frequência, o assunto é visto à certa distância. Apenas 15% dos brasileiros têm seguro de vida, por exemplo, o que poderia ser justificado pela necessidade de atender demandas mais imediatas da vida: sobreviver e pagar contas. Mas, mesmo entre as classes A e B, o percentual é de menos de 30%.
Pensar na morte é tarefa difícil. Para Carolina Santos, coordenadora no Brasil do Programa de Heranças e Legados do Unicef, ter as informações necessárias sobre a destinação de eventual patrimônio material ajuda a dar tranquilidade, principalmente no processo de envelhecimento. Muitas pessoas querem a segurança de que será respeitada a sua vontade de direcionar parte do patrimônio herdado ou construído —ou mesmo um bem específico, como um carro— para um projeto que julga importante.
O programa que Carolina coordena para implementar o instituto chamado “testamento solidário” foi criado há seis anos no país, mas existe há muito tempo em outros lugares. Conforme informações da agência, “o Testamento Solidário Unicef é uma maneira de garantir que a sua solidariedade será estendida às futuras gerações, alcançando um mundo melhor para todas as crianças, suas famílias, sua comunidade e seu país”. A prioridade dos programas é para os mais vulneráveis, especialmente afrodescendentes; indígenas; povos e comunidades tradicionais, quilombolas e ribeirinhos; com deficiências; e migrantes afetados por crises humanitárias e desastres ambientais.
Carolina lembra que o trabalho do Unicef, voltado para auxiliar governos na proteção da infância, da desnutrição, do desabastecimento de água, das violências, da evasão escolar e de diversas formas de vulnerabilidade social, depende integralmente das doações. “Há pessoas que doam R$ 15 por mês. Há empresas que doam valores altos. A viabilidade dos nossos projetos depende da soma de todas essas contribuições e cada uma conta”.
A destinação em heranças ainda responde por uma parte pequena dessa soma no Brasil. Uma das razões é a nossa dificuldade de lidar com a concretude da morte. Mas também existe grande desconhecimento sobre as formas de destinar parte do patrimônio como legado para uma causa.
A websérie que estreia em 18 de agosto junta-se a outras campanhas de conscientização, promovendo reflexões sobre o fim da vida com informações práticas de especialistas sobre como realizar planejamento sucessório —ações que planejam a transferência de bens que acontecerá após a morte, para evitar conflitos futuros e garantir que a vontade do detentor do patrimônio seja cumprida—; e manifestações afetivas de quem entendeu o direcionamento de bens para iniciativas que podem impactar a vida de crianças como um legado importante. Os testadores podem escolher se querem que seus nomes sejam mantidos em anonimato, e existe um serviço interno de acompanhamento dos casos com atendimento personalizado para cada interessado.
Algumas informações da coordenadora do Programa de Heranças e Legados me chamaram a atenção: nunca houve questionamento de herdeiros sobre a destinação de parte do patrimônio para as ações do Unicef; o Unicef é isento do pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), o que torna o testamento solidário uma forma mais eficiente de doação; e o Unicef pode ser incluído como beneficiário em eventual seguro de vida.
Os episódios de “Legados que Transformam” serão exibidos semanalmente. Ao final da websérie, em 15 de setembro, será realizado um webinar gratuito para tirar dúvidas sobre o tema. Interessados em acessar todos os episódios já podem se inscrever aqui.
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