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Jorge Paulo Damante Pereira Promotor de Justiça
JORGE PAULO DAMANTE PEREIRA
Comentam as más línguas (talvez não tão más) que a corrupção aportou na terra brasilis lá pelos idos de 1500, vindo à testa das embarcações conduzidas por Cabral e sua trupe de saqueadores, todos a serviço do venturoso D. Manuel I, rei dos portugas.
De lá até cá passou água demais por debaixo da ponte neste naco de terra da América do Sul e nós, hoje chamados brasileiros, aprendemos muito das pacholices daquela gente de além-mar, a ponto de certo político contemporâneo, ícone da onda anticorrupção, da moral e dos bons costumes, ter dito publicamente esta bela frase: “eu sonego tudo o que for possível”.
Kant e seu imperativo categórico, com efeito, passou longe desta gleba, graças a Deus!! Do contrário, nada teria graça e a vida seria muito insonsa. Às favas com a ética!
Ah, vá lá… mas nem tudo está perdido, afinal temos os heróis militares para nos libertarem das amarras desta praga [a corrupção] que se enraizou na política nacional.
“Intervenção militar já!!”, eis a grita que brota dos pulmões dos nomeados homens e mulheres de bem desta nação. É verdade que desde a chegada por aqui das ideias de Voltaire, Montesquieu, Rousseau etc., via proclamação da República, em 1888, os quartéis insistem na execução daquele mister, sem sucesso porém. Não se perca, entretanto, a esperança, filha amada da paciência.
Note, contudo, que as forças armadas não são somente o bastião da probidade. São também guardiãs da democracia (isso segundo um ou outro ilustre jurisconsulto – ou talvez um, por força do art. 142 da Constituição Federal). Mas também aqui têm decepcionado, infelizmente! Se em 1964 foram altivas e zelosas, botando pra correr a canalha esquerdopata comunista, mais recentemente, por ocasião da intentona cívica do 8 de janeiro de 2023, deixaram falando sozinhas as senhorinhas com bíblias nas mãos e batons nas estátuas, que ficaram à mercê de ditadores togados. Guardados na garagem permaneceram os tanques esfumaceantes (palavra inventada) da caserna. Que lástima!!
“Abandonados, isso é que fomos!”
Alto lá! Eia, Eia, Eia, quando se pensava que tudo estava perdido, emerge um fato novo, novíssimo.
O fato novo apareceu na longínqua América do Norte, na Nova velha Inglaterra, e é cor de laranja, para mal dos pecados do suco de laranja brasileiro, da soja, do milho, do aço etc. etc.
Já que morta e enterrada a empresa militar (malditos melancias!), cumpria, doravante, apelar à empresa alienígena para a boa resolução dos graves problemas da pátria, sobretudo o restabelecimento da democracia. A Venezuela não foi salva, mas o Brasil será.
Em 1500, as intrépidas caravelas. Em 2025, um dos mártires perseguidos pelo implacável ditador, partiu de Macondo para o estrangeiro em busca de socorro. É muito patriotismo!
Força convir que se carece de ineditismo a tese de que as forças armadas constituem uma casta de moral superior relativamente aos demais mortais – e que somente elas podem botar ordem nessa zorra que é a terra brasilis –, não se poderá dizer o mesmo de gente ocupante de cargos políticos na estrutura do Estado brasileiro há décadas – portanto, eternamente sustentados pelo erário – que desembarca na terra do Tio Sam para conspirar contra sua pátria e implorar ao orange que salve o Brasil da ditadura da toga, ainda que o custo disto seja o sequestro da economia nacional. Às favas com a pátria, não patriota!?
Com efeito, isso é inédito!
Ora Ulysses, pare de se revirar no túmulo, digo, no fundo do mar. Traidor da pátria não é traidor da Constituição (ou o inverso), sobretudo quando se tem em conta a nobreza da causa. Na pior das hipóteses “Se houver o cenário de terra arrasada, pelo menos eu terei [me] vingado desses ditadores de toga”. É verdade que se trata de peculiar ditadura, posto que não se sustenta na força das armas, como o são todas as demais do resto do mundo, mas sim na careca de um e na barriga saliente de outro.
Pior é que o cenário é, sim, de terra arrasada. Mas o que o Grande Irmão do norte (sim, com maiúsculas) exige é tão pouco: “Terra brasilis, ponha-se de joelhos, imediatamente, e cumpra minhas soberanas ordens, posto que fui investido por Deus (embora a Ele me julgue superior) como Rei do Mundo. Faça-o, e não a colocarei de castigo ajoelhada sobre o milho (ou soja) no cantinho do castigo, para purgar o deficit comercial que nossa nação tem com a vossa há décadas.”
Eis que alguma criatura desavisada e incauta do seu entorno ousa argumentar: “Mas, imperador orange, não constitui fato verídico a alegação de que a balança comercial entre EUA e Brasil seja deficitária para os EUA”. No que redarguirá o sumo todo poderoso dono do universo (em minúsculas mesmo): “Pobre-diabo, nunca lestes George Orwell. Se tivesses lido saberia o que é duplipensamento. Traduzo-lhe: não importa que uma informação seja falsa, o que importa é acreditar que seja verdadeira. E para isso temos como nossa aliada infalível a cracolândia digital. Não há, pois, razão para maiores preocupações. Recordo-lhe que aprendi bastante disso com a própria terra brasilis, onde, ao tempo da peste de 2019, fizeram crer aos seguidores de determinada seita que vacinas matavam pessoas e remédio para lombriga curava a peste. Sossegue, homem”!
“Aprenda do teu Mestre”:
Guerra é paz Liberdade é escravidão Ignorância é força
Eu? Fico com Machado ao lembrar da Esfinge: “decifra-me ou devoro-te”. Ponto final!
Jorge Paulo Damante Pereira
Promotor de Justiça