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Cuiaba - MT / 18 de agosto de 2025 - 17:10

Quem é o ex-presidente da OAB que pediu “bala na nuca” para Bolsonaro

Um “pacifista” comprometido com o diálogo democrático. Foi assim que o carioca Felipe Santa Cruz se apresentou ao público em 2019, quando assumiu a presidência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e participou do programa Roda Viva, da TV Cultura.

Mas apenas seis anos depois dessa entrevista, o mesmo homem que pregava a moderação perdeu as estribeiras ao comemorar, sem medir palavras, a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro — desejando uma “bala na nuca” do ex-presidente.

Hoje secretário de Eduardo Paes (PSD) na prefeitura do Rio de Janeiro, Santa Cruz usou sua conta no X para celebrar a decisão do ministro Alexandre de Moraes como “um dia de festa”.  “Esse m* que matou tantos na pandemia está preso. Que os mortos o assombrem”, disse.

Questionado sobre qual crime justificaria a medida, ele insistiu em ultrapassar os limites do decoro institucional: “Traição aos cânones democráticos. No meu mundo ideal, pena de morte. Bala na nuca!”, respondeu, para em seguida ofender usuários que se revoltaram com o tom da declaração.

Igualmente indignados, mais de 750 advogados assinaram uma representação contra Santa Cruz na própria OAB. O documento acusa o ex-presidente da entidade de adotar “linguajar incitador de violência” e pede processo ético-disciplinar, suspensão profissional e multa.

Na Câmara do Rio, o vereador Rafael Satiê (PL) protocolou um pedido de afastamento do posto de secretário de Governo. Em seu requerimento, Satiê afirma que o post teve “caráter grosseiro, violento, ofensivo e incompatível com a dignidade do cargo público”.

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro também reagiu, expondo os critérios de seletividade dos adversários do marido: “Para esses, desejar a morte é considerado ‘liberdade de expressão’. Não é sobre o que se fala, é sobre quem fala!”.

Pressionado pelo coro de críticas, Santa Cruz bem que tentou um recuo estratégico. Segundo ele, a expressão “bala na nuca” foi dita “no calor do debate”, tratando-se apenas de uma “figura de linguagem”. “Não defendo tiro na cabeça de ninguém”, disse.

O advogado ainda atribuiu seu destempero aos “ataques graves” à memória de seu pai que costuma ler nas redes — ele é filho do militante de esquerda Fernando Santa Cruz, desaparecido depois de ser preso pelo regime militar e, posteriormente, considerado morto pela Comissão da Verdade.

“Por ‘coincidência’, todas as vezes em que combato esse grupo de bandidos que tenta tomar nosso país, subvertendo a ordem democrática, passo a receber centenas de ofensas dirigidas ao meu pai”, afirmou em outra sequência de posts. E concluiu: “Quem idolatra assassinos são eles”.

Embate antigo

A postura hostil de Felipe Santa Cruz contra Jair Bolsonaro tem origem justamente na história de seu pai. A animosidade começou em 2011, quando o então deputado sugeriu, em uma palestra, que Fernando Santa Cruz teria “morrido bêbado em algum acidente de Carnaval”.

Em 2016, foi a vez do advogado atacar, pedindo a cassação de Bolsonaro por “apologia à tortura”, após o parlamentar homenagear o coronel Carlos Brilhante Ustra (reconhecido pela Justiça como torturador) durante a votação do impeachment de Dilma Rousseff.

O embate se intensificou quando Santa Cruz chegou à presidência da OAB, em 2019, mesmo ano em que Bolsonaro iniciou seu mandato na presidência da República. Mais especificamente, no dia 29 de julho.

Bolsonaro, irritado com a atuação supostamente obstrucionista da entidade no caso Adélio Bispo (autor da facada desferida contra ele em 2018), insinuou que Fernando Santa Cruz foi assassinado por “companheiros” da própria esquerda armada — no caso, da Ação Popular Marxista-Leninista (APML), “o grupo terrorista mais sanguinário”, segundo o mandatário.

“Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele”, disse Bolsonaro. “Não foram militares que mataram ele. É muito fácil culpar os militares por tudo o que acontece.”

Felipe Santa Cruz classificou a fala de Bolsonaro como “cruel”, “de uma covardia inominável” e “um segundo assassinato” de seu pai. A OAB repudiou as declarações e o advogado ainda ajuizou um pedido de explicações no Supremo Tribunal Federal.

Militância disfarçada

A partir daí, a Ordem dos Advogados do Brasil iniciou uma oposição sistemática ao governo.

A entidade apoiou uma PEC para barrar militares da ativa em cargos no Executivo, com o objetivo de “proteger as Forças Armadas da politização”. Também acusou Jair Bolsonaro de improbidade administrativa, por usar a estrutura pública para questionar a lisura eleitoral.

Elogiou operações da Polícia Federal contra empresários bolsonaristas investigados por disseminar fake news, chamando-os de “terroristas virtuais”. E foi à guerra no âmbito econômico em duas ocasiões.

Primeiro, movendo uma ação contra as novas regras do cheque especial definidas pelo Banco Central, então presidido por Roberto Campos Neto (argumentando que a cobrança feria o Código de Defesa do Consumidor). Depois, opondo-se à proposta de reforma tributária do ministro Paulo Guedes — para a entidade, o projeto dobraria a carga de impostos para a advocacia e “quebraria a classe média”.

Mas nada se compara ao período da pandemia, quando a OAB bombardeou o Governo Federal com ações no STF, chegando ao ponto de denunciar o Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos por supostas “violações” na gestão sanitária.

Felipe Santa Cruz ainda responsabilizou pessoalmente Bolsonaro pelas mortes ocorridas em decorrência da Covid-19, acusando-o de ser “parceiro do vírus” e de cometer possíveis “crimes contra a humanidade”.

Esse enfrentamento desenfreado motivou uma resistência interna na OAB e até pedidos de impeachment de Santa Cruz. Advogados descontentes com sua gestão o denunciavam por desrespeitar o estatuto da Ordem e transformar a atuação da entidade numa militância ideológica disfarçada de defesa institucional.

Felipe Santa Cruz com o ministro do STF Roberto Barroso, em 2016, quando ainda presidia a OAB-RJFelipe Santa Cruz com o ministro do STF Roberto Barroso, em 2016, quando ainda presidia a OAB-RJ (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Amigo de Cabral

Felipe Santa Cruz, de 53 anos, presidiu a seccional fluminense da OAB por dois mandatos até chegar ao topo nacional da instituição. Antes da carreira corporativa, foi advogado trabalhista e professor de Direito do Trabalho. Na juventude, participou do movimento estudantil e chegou a concorrer ao cargo de vereador no Rio pelo PT.

Foi na eleição de 2004, quando recebeu apenas 3.187 votos e não ficou com a vaga na Câmara. Sua frustração está registrada no documentário Vocação de Poder, em que os diretores José Joffily e Eduardo Escorel acompanham as campanhas de seis jovens candidatos cariocas, de diferentes partidos.

Anos depois, Santa Cruz se filiou ao PMDB, num movimento atribuído à proximidade dele com o ex-governador Sérgio Cabral. E aqui vale contar um dos episódios mais constrangedores de sua trajetória.

No já citado Roda Viva de 2019, o advogado foi questionado sobre sua amizade com Cabral e negou ter qualquer relação com o político (à época preso, condenado a 400 anos de cadeia por corrupção).

“Sérgio Cabral não foi meu padrinho de filiação. Meus detratores há anos procuram uma foto [dos dois juntos] na internet. Mas não possuo uma única foto com esse amigo tão próximo, nestes tempos de câmera em todos os lugares”, ironizou.

Pois bem: quatro anos depois, o advogado publicou no Instagram uma imagem em que aparece sorridente e abraçado com Cabral. “Tantos anos de injustiças. O prazer de tomar um vinho com meu amigo Sérgio Cabral”, dizia a legenda.

“Dizia” porque Santa Cruz rapidamente apagou o post. Não adiantou. Prints da publicação apareceram em toda a imprensa. E até o próprio Cabral entregou o “parça” em uma entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.

“Ele é um querido amigo. Me ligou muito feliz com a minha saída [da prisão]. Me chamou para encontrá-lo num restaurante e tirou uma foto. Depois parece que houve quem ligasse, pessoas com quem ele está aliado politicamente. Pediram pra ele tirar”, afirmou o ex-governador.

Em busca de um novo espaço político, Felipe Santa Cruz ingressou no PSD, em 2022, patrocinado por Eduardo Paes. Foi candidato a vice-governador do Rio de Janeiro na chapa de Rodrigo Neves (PDT), ex-prefeito de Niterói, porém a dupla ficou apenas em terceiro lugar nas eleições.

A compensação veio na forma de um cargo público. Ou melhor: dois.

Em 2023, o advogado foi nomeado secretário de Governo da prefeitura carioca — pasta recriada apenas para acomodá-lo na gestão, segundo a oposição. Paes ainda contemplou a mulher de Santa Cruz, Daniela Gusmão, com a presidência do Complexo Cultural Cidade das Artes (centro público de espetáculos e eventos localizado na Barra da Tijuca).

Contra a Lava Jato

Felipe Santa Cruz também integra o Prerrogativas, grupo de advogados de esquerda que teve participação ativa na campanha de Lula em 2022 e hoje conta com cerca de 30 membros ocupando postos em tribunais superiores, ministérios e empresas públicas.

Como todo membro do “Prerrô” (como o coletivo é chamado internamente), Santa Cruz foi um combativo opositor da Lava Jato antes e depois da prisão do presidente.

Enquanto a operação desmontava o maior esquema de corrupção da história do país, ele atacou sistematicamente juízes e promotores, denunciando supostos abusos e comparando seus métodos à “tortura”. Chegou ao cúmulo de chamar o hoje senador Sergio Moro (União-PR) de “chefe de quadrilha” (mas se retratou, parcialmente, depois).

Já à frente da OAB, o advogado pediu ao STF a suspensão de multas estabelecidas em processos da força-tarefa. Segundo ele, esses pagamentos eram “absolutamente irregulares e sob suspeita”.

Ironicamente, o próprio Santa Cruz foi citado na delação do empresário Orlando Diniz, ex-presidente da Fecomércio-RJ preso por investigações relacionadas à Lava Jato e acusações envolvendo contratos irregulares. Segundo Diniz, o advogado pediu R$ 120 mil “em espécie” para sua campanha à reeleição na OAB-RJ, utilizando um contrato fictício para repassar o dinheiro a um aliado que atuaria como operador.

Em 2022, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro anulou a colaboração premiada do empresário e extinguiu a ação, livrando Felipe Santa Cruz de qualquer investigação formal. Dois anos antes, ele já havia declarado que processaria Orlando Diniz, cuja delação deu início a investigações contra outros escritórios de advocacia.

Na época, em sua conta no antigo Twitter, Felipe Santa Cruz desafiou a operação: “Criminoso é o delator, não os advogados! Pensam que vão nos intimidar. Não nos conhecem”.

A reportagem da Gazeta do Povo entrou em contato com a assessoria de imprensa da Prefeitura do Rio de Janeiro para solicitar uma entrevista com Felipe Santa Cruz, mas não obteve retorno até a conclusão deste texto.

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