Reinaldo Azevedo apareceu defendendo o programa Mais Médicos. Justo ele, um dos mais ferrenhos críticos deste que foi e é, de acordo com o Departamento de Estado dos EUA, um subterfúgio por meio do qual os governos do PT financiaram a ditadura cubana. Reinaldo Azevedo que no dia anterior tinha entrevistado ninguém menos do que Lula, a quem chamou de “bonitão”, entre outras mesuras constrangedoras.
Se me surpreendo? Um pouco. Só um pouquinho. Porque Reinaldo Azevedo, o criador do termo “petralha” e o comunicador que ensinou tanta gente a rejeitar, rejeitar com propriedade, o PT, Lula e tudo o que eles representam, nunca explicou por que mudou de lado. E mudou radicalmente, a ponto de, na entrevista, dizer a Lula: “Eu vou poupá-lo de defender o próprio governo, porque inclusive eu sei fazer a defesa se preciso”. Uau.
Grandes Mistérios do Nosso Tempo
Inexplicada e radical, a mudança de Reinaldo Azevedo vai entrar para a história como um dos Grandes Mistérios do Nosso Tempo. (Vai nada!). E sei que muita gente prefere a explicação de que foi por dinheiro, porque sempre é por dinheiro, mas me recuso a aceitar essa hipótese. Basta você se perguntar se mudaria tanto assim em troca de segurança financeira e luxo. Não que seja impossível, mas é improvável.
Há quem diga que Reinaldo Azevedo é refém político e intelectual de um chantagista muito poderoso e malvado. Pode ser. Já ouvi dizer por aí também que é pura inveja da Lava Jato. Não duvido. Mas de todas as hipóteses, inclusive as mais estapafúrdias, gosto das que soam banais e simplórias. Essa aí da inveja, por exemplo. A do prazer de antagonizar. Tem uma que credita a mudança dele à vaidade de ser uma voz “esclarecida” em meio à esquerda ignara. E tem sempre a possibilidade de Reinaldo Azevedo apenas ter se reconectado com sua essência trotskista.
Ei, você aí, da plateia!
Aliás, fico me perguntando como alguém é capaz de levar a sério qualquer coisa que diz ou tenha dito Reinaldo Azevedo. Tanto contra quanto a favor de Lula. Será que tem algum esquerdista aí capaz de me explicar isso? Por que o que Reinaldo Azevedo diz hoje é mais verdade do que aquilo que dizia o Reinaldo Azevedo do Velho Testamento?
Ou, por outra e lhe dando o benefício da dúvida, algum direitista que hoje espume de raiva ao ver Reinaldo Azevedo tratando Lula com uma deferência quase… submissa pode me explicar por que o que Reinaldo Azevedo diz hoje é menos verdade do que tudo aquilo que ele dizia quando chamava Lula de Babalorixá de Banânia?
Ignorância presunçosa
Seja qual for o verdadeiro motivo da mudança ideológica de Reinaldo Azevedo, é inegável que contribuiu para isso a ascensão de uma direita que ele chama de “chucra” e eu vou chamar de “xucra”. Uma direita hostil e de espírito tribal, que não aceita a menor discordância; uma gente de ideias mal-ajambradas no caldeirão da ignorância presunçosa — aquela certeza orgulhosa de quem nunca parou para pensar no assunto, mas já formou opinião e não arreda o pé; e uma direita pouquíssimo afeita a quaisquer manifestações da caridade.
Se essa direita existe mesmo ou se é uma caricatura assustadora criada pela esquerda? Existe, sim. Ah, se existe! Infelizmente existe. E, nesse ponto, entendo Reinaldo Azevedo. Nem todo mundo suporta o martírio brando de ser associado a certas figuras da direita. (Ó, as orelhas do xucrão ficam em pé!). O que não entendo é como ele pode achar melhor ser associado a Gleisi Hoffmann, José Dirceu, Gilmar Mendes e Haddad, a ponto de estender o tapete vermelho para o Apedeuta. Alguém consegue explicar?
A era das ideias imperdoáveis
A mim, contudo, me importa menos o que levou Reinaldo Azevedo a mudar de lado na cansativa e interminável guerra entre direita e esquerda, e mais a impossibilidade de qualquer um de nós mudarmos de opinião sobre qualquer coisa. Política, economia, cultura ou comportamento? Não pode. Era petista e virou bolsonarista? Não pode. Mudou seu entendimento histórico a respeito de certo fato? Não pode. Curtia um punk rock e hoje vive só no jazzinho? Não pode. Falou tá falado, não tem discussão. Não.
Parece que quem se define pelos rótulos de progressista e esquerdista, é fã de Chico Buarque, camisa do Che, Karl Marx na estante e tal vai ter que ser assim para sempre. Não há possibilidade de conversão, muito menos de redenção. Da mesma forma, quem é reaça, bolsonarista, fã de heavy metal, CAC, sei lá, vai ter que ser assim para sempre. Que coisa. Vivemos mesmo, como disse o poeta, a era das ideias imperdoáveis. O que é um pesadelo para alguém que, como eu, acredita que todos temos a capacidade de aprender, de refletir e de chegar a conclusões que não são necessariamente as mais certas ou populares; mas são, quero crer, sinceras.