Nos últimos meses, as apostas online movimentaram o debate público por meio das cenas protagonizadas na CPI das bets. Com isso, voltou às discussões um tema muito polêmico: como funcionam os vícios e o que eles causam cérebro?
As dependências manipulam e o cérebro “aprende” a recorrer a elas na busca de prazer e satisfação. Assim, os circuitos neuronais são remodelados de modo a dar uma importância muito maior ao objeto de prazer – que pode ser droga, álcool ou os jogos.
“De certo modo, a dependência é uma forma patológica de aprendizagem”, disse o neurologista Antonello Bonci, em entrevista à revista National Geographic.
Por que o cérebro cai nas armadilhas das apostas?
O vício é uma complicação nos chamados “sistemas de recompensa do cérebro”, que são regulados por substâncias químicas: os “neurotransmissores”. Um dos mais importantes deles é a dopamina.
Esta substância leva a um prazer intenso, que o ser humano já dependente deseja repetir mais e mais.
Moldados pelas injeções da dopamina, os neurônios das regiões cerebrais responsáveis pelos sistemas de recompensa “aprendem” que as atividades viciantes gerarão ainda mais dopamina, num ciclo vicioso sem fim. Ou no mínimo de difícil solução.
“À medida que o vício progride, o cérebro pode se tornar menos sensível aos efeitos da dopamina, levando a uma necessidade de aumentar a quantidade da substância ou a intensidade do comportamento para atingir a mesma sensação de prazer”, explica a psiquiatra Jaqueline Bifano.
Vício em apostas: o ciclo que não tem fim
Potencializado pelas redes sociais e com o apoio de influenciadores digitais que acumulam milhões de seguidores e exercem influência nos jovens, o vício das apostas online ganhou contornos de epidemia no Brasil.
Dados citados pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) apontam que 15% dos brasileiros – ou mais de 32 milhões de pessoas (a população de toda região metropolitana de São Paulo) – já realizaram apostas na internet. A atividade é mais prevalente em homens (21%) que em mulheres (9%).
Um levantamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública destacou ainda que mais de 30% dos apostadores brasileiros sofreria de algum tipo de transtorno mental relacionado ao vício em jogos.

Adolescentes estariam mais vulneráveis. A Organização Mundial da Saúde coloca um número de até 5,8% da população com possibilidade de ser enquadrada na doença da compulsão pelo jogo.
O problema social se mostra ainda mais grave porque o endividamento do brasileiro cresce e até mesmo renda de programas sociais como o Bolsa Família vem servindo de financiamento para apostas.
Quais são os sintomas da ludopatia (vício em apostas) e suas consequências?
Uma chave para explicar este apetite especial do brasileiro pelas casas de aposta online pode estar justamente nos problemas sociais do país e em uma educação deficiente.
U estudo divulgado em abril trouxe o dado alarmante: cerca de um terço dos brasileiros são analfabetos funcionais. Ou seja, tem incapacidade de ler e interpretar textos e realizar contas de matemática básica.
Além disso, segundo estudo da Associação Americana de Psiquiatria, baixa renda, desemprego e pobreza estão ligados a uma maior propensão pelas apostas compulsivas.
Caracterizam o vício em apostas:
- Pensamentos frequentes no jogo;
- Necessidade de apostar cada vez mais para ter a mesma animação;
- Tentativas frustradas de parar de apostar;
- Irritabilidade ou agitação com tentativas de parar ou diminuir jogo;
- Apostar para reduzir o stress em situações negativas;
- Após perder, sentir necessidade de continuar com as apostas para compensar;
- Jogar quando se sente triste;
- Mentir para esconder a gravidade da compulsão por jogo;
- Perder oportunidades, como o emprego ou estudo, por causa do jogo;
- Recorrer a outras pessoas em busca de solução para problemas financeiros do jogo.
Cura: é possível se livrar de um vício?
A maioria das pessoas envolvidas em transtornos ligados ao jogo param por conta própria. Dados da Organização Mundial da Saúde mostram que 10% dos viciados em jogo procuram tratamento.
Segundo o livro “A Psicologia do Vício”, da psicóloga clínica Jenny Svanberg, a desconstrução do vício reside no entendimento e controle das nossas motivações emocionais.
“Podemos retreinar nosso cérebro para formar hábitos mais saudáveis e estabelecer novos padrões neurais para guiar nosso comportamento”, explica Jenny em sua obra.