O MME (Ministério de Minas e Energia) preparou nas últimas semanas uma medida provisória para propor um meio-termo para os “jabutis” da lei das eólicas offshore, mas o texto ficou parado no Palácio do Planalto. Com a derrubada dos vetos pelo Congresso na terça-feira (17) e a retomada dos trechos, uma parte do próprio governo trata como inócua a estratégia de agora enviar a MP.
Os “jabutis” (como são chamados os itens adicionados a uma proposta sem relação com o tema principal) devem elevar a conta de luz em quase R$ 200 bilhões até 2050, segundo cálculos de representantes de consumidores. Nas contas do governo, são R$ 32 bilhões por ano.
O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), disse na terça à noite que o impacto na conta de luz decorrente da derrubada dos vetos seria compensado por meio de uma futura MP.
Segundo dois membros do Executivo ouvidos pela Folha, o dispositivo foi recebido pela Casa Civil há semanas. A proposta ainda está sob avaliação na pasta.
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Os parlamentares derrubaram os vetos do presidente Lula (PT) ao texto na terça e, com isso, liberaram uma série de iniciativas que beneficiam empresários do setor elétrico –como a permissão para prorrogar subsídios a fontes renováveis (o Proinfa, visto pelo governo como desnecessário), além da contratação de energia de PCHs (pequenas centrais hidrelétricas), eólicas no Sul e hidrogênio produzido a partir do etanol.
Em todos esses pontos, o governo listava diferentes razões para que as propostas não fossem aprovadas, como o aumento nas tarifas e a ausência de interesse público.
Em maio, o MME havia sido alertado de que o Congresso poderia derrubar os vetos a esses itens e a outros considerados ainda mais nocivos à conta de luz –como a contratação de usinas a gás em regime inflexível (quando operam mesmo sem necessidade).
Por isso, a pasta comandada por Alexandre Silveira (Minas e Energia) elaborou —a pedido da Secretaria de Relações Institucionais, comandada pela ministra Gleisi Hoffmann— uma proposta de MP que estabeleceria um meio-termo. O preço da energia a ser contratada ficaria mais próximo do valor de mercado, em vez de seguir os preços máximos previstos nos trechos aprovados pelo Congresso.
Outros itens seriam flexibilizados pela MP do governo. A contratação de PCHs, por exemplo, seria escalonada ao longo do tempo, evitando tantos efeitos imediatos. O Proinfa teria os custos reduzidos. Também haveria ajustes na contratação de usinas a carvão.
Segundo relatos, no entanto, a proposta continua parada no Planalto. De acordo com um membro do Executivo, houve “bate cabeça” entre as diferentes pastas.
Há a avaliação entre parte dos envolvidos de que a estratégia via nova MP tem chances de ser apenas uma formalidade com pouca chance de vingar, uma vez que dificilmente o Congresso voltaria atrás para rever uma decisão já tomada em plenário. A avaliação não é unânime, e parte do governo vê chance para um pacto político.
Nesta quarta (18), Randolfe voltou a falar sobre o tema. “Tem dois vetos que foram apreciados, que foram derrubados —o veto relativo ao Proinfa e o veto relativo às pequenas PCHs— que podem trazer impacto para a conta de luz. Em decorrência disso, o governo deve editar uma medida provisória para impedir que esses vetos derrubados tragam impacto na conta de luz dos brasileiros”, disse.
Segundo a Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres), outros dois pontos não mencionados por Randolfe também devem elevar a conta de luz: a compra de energia de hidrogênio produzido a partir de etanol e a contratação de eólicas no Sul.
De acordo com Randolfe, não há prazo para o envio da MP, mas ele afirma que a publicação deve ocorrer de forma concomitante à promulgação dos vetos, para que não haja impacto nas tarifas.
Questionado sobre por que o Congresso aceitaria voltar atrás, o líder afirmou que haveria uma sensibilidade dos parlamentares diante do aumento da conta de luz, apesar de, na véspera, terem votado em sentido contrário.
“Tem uma sensibilidade do Congresso de que não é aceitável, não é possível, que tenha impacto na conta de energia. Foi por isso também a necessidade dessa reunião”, disse, após encontro com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
“A MP já estava sendo pensada, será discutida e negociada junto ao Congresso. O fato é que há um consenso de que nenhuma medida pode gerar impacto na conta de energia ou na inflação.”
O líder do governo no Congresso sinalizou que o relator da MP deve ser o senador Eduardo Braga (MDB-AM), que votou contra o governo em todos os pontos do projeto de energia.
Outro tema discutido na reunião desta quarta, segundo relatos, foi a possibilidade de fatiar uma outra MP que trata da reforma do setor energético, editada pelo governo federal em maio. Também participaram do encontro os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Gleisi.
Como a Folha revelou, os presidentes Alcolumbre e Hugo Motta (Republicanos-PB), da Câmara, atuavam nos bastidores para esvaziar a medida provisória e incorporar parte de seu conteúdo em outro texto, com o objetivo de tirar Silveira do protagonismo da matéria —que tem grande apelo popular por prever a ampliação da isenção da conta de luz para até 60 milhões de brasileiros.
A ideia é incorporar o benefício ao relatório de outra MP em discussão, editada para ampliar o uso dos recursos do fundo social do pré-sal. Essa MP vence no dia 3 de julho e deve ser votada na próxima semana em comissão mista.
Randolfe afirmou a jornalista nesta quarta (18) que essa é uma “possibilidade, mas que ainda não há decisão sobre isso”. “O que o governo quer com urgência é que 60 milhões de brasileiros que hoje pagam energia elétrica não paguem mais. Qualquer caminho necessário para implementar essa medida o quanto antes será adotado”, disse.
O relator da MP do fundo social, deputado José Priante (MDB-AP), disse à Folha que já há um acordo encaminhado para que esse ponto seja incluído em seu parecer. “Meu relatório já está 99% pronto. Nele, estou atendendo esses aspectos e incorporando a Tarifa Social que estava originalmente na MP do setor elétrico”, afirmou.
Além disso, ele diz que seu parecer também deverá incorporar o conteúdo de um projeto de lei enviado pelo governo para permitir o leilão do petróleo excedente da União em áreas do pré-sal sob regime de partilha.
Ele diz que seu relatório deve ser divulgado na próxima terça-feira (24) e votado no mesmo dia na comissão mista. O relator reconhece, no entanto, que até lá ainda poderão ser feitos ajustes no texto, dependendo do que for negociado entre governo e Congresso. Não há definição, por exemplo, se a parte regulatória da MP do setor elétrico será tratada agora ou em um segundo momento, por meio de um projeto de lei separado ou na própria medida provisória.