Nos últimos anos, a mostra mais estimulante proposta pela Cinemateca Brasileira se chama “50 Anos Depois”. Nesta edição, a mostra acontece entre 7 e 17 de agosto pela quarta vez, com a proposta inalterada de rever uma série de filmes lançados em 1975. A ideia propicia não apenas uma revisão de certos filmes, como o mergulho no espírito do cinema daquele momento.
A seleção do curador Paulo Sacramento não procura resgatar os maiores sucessos, nem os melhores ou mais premiados filmes do período, mas sobretudo aqueles que pode ser úteis reencontrar. Esse é seu ponto forte.
Desta vez, por exemplo, a mostra se abre com “Prelúdio para Matar”, de Dario Argento, mestre italiano no terror e das cores. Já no dia seguinte entra “Nashville”, mais um ferino diagnóstico dos Estados Unidos (ou da gente dos Estados Unidos) por Robert Altman. Na época, esse agitado girar em círculos pareceu excelente. É provável que continue assim.
O sábado, dia 9, começa com um dos menos vistos, porém mais reverenciados filmes brasileiros dos anos 1970, “Aventuras de um Padeiro”, de Waldir Onofre. Já “O Casamento” remeteu Arnaldo Jabor de volta à obra de Nelson Rodrigues, após sua obra-prima “Toda Nudez Será Castigada”.
Não era um mau filme, mas tinha o desagradável sabor de uma não mencionada franquia, quer dizer. O sábado bem agitado se fecha com a exibição de “Barry Lyndon”, um grande Stanley Kubrick.
Domingo traz a oportunidade de rever “O Desejo”, de Walter Hugo Khouri. Khouri é um cineasta que por muito tempo ficou na sombra em função do cinema novo, mas, passadas as disputas da época (entre nacionalismo e internacionalismo) hoje começa a ser revisto apenas pelas virtudes que tem.
Não são poucas. Mas correm o risco de, em tempo marcado por certo conformismo, tomarem o lugar da inventividade vulcânica de um Glauber Rocha ou Rogerio Sganzerla.
Será, no mais, um dia agitado, que começa com o contemplativo “A Lenda de Ubirajara”, filme de André Luiz Oliveira hoje injustamente esquecido. De passagem, haverá também a exibição do restaurado “Cristais de Sangue”, de Luna Alkalay, do “Claro”, de Glauber. Todos são filmes a discutir, sem dúvida. Com exceção do último, que passa às 20h30, o imbatível “Profissão: Repórter”, de Antonioni.
A segunda semana da mostra começa com “Jeanne Dielman”, de Chantal Akerman, que uma estranha votação elevou a melhor filme de todos os tempos.
Uma glória que só tende a contar contra o próprio filme, ao qual não faltam virtudes —a começar por sua protagonista, a genial Delphine Seyrig. Depois vem a oportunidade de resgatar “Perdidos e Malditos”, um desses filmes mito entre os malditos brasileiros, realizado por Geraldo Veloso.
Se “Derzu Uzala”, que entra sala Oscarito às 20h30 do dia 14 de agosto, é uma quase unanimidade, o “Salò”, de Pasolini, enfureceu a extrema direita da época e tem tudo para enfurecê-la de novo 50 anos depois.
A sexta-feira traz a comédia “Cada um Dá o que Tem”, três histórias que merecem ser revistas hoje. Depois, uma sessão bem interessante de curtas (“Ecos Caóticos”, de Jairo Ferreira, “Hang-Five”, de Djalma Limongi, “Tem Coca-Cola no Vatapá”, de Pedro Farkas e Rogério Corrêa e “Semi-Ótica”, de Antonio Manuel) concorre com “Em Busca do Ouro”, de Chaplin —a esse também será preciso voltar.
O segundo sábado da mostra se pauta por buscar extremidades. Uma grande comédia de Blake Edwards, “A Volta da Pantera Cor-de-Rosa”, às 16h, o melô fassbinderiano de “O Direito do Mais Forte”, às 20h30, na sala Oscarito, e o belíssimo policial “Um Dia de Cão” na área externa.
À tarde, ainda, uma incursão francamente política, com “A Batalha do Chile”, de Patricio Guzmán. Programa tão eclético quanto provocativo.
A mostra fecha no domingo com ares radicais. Da Rússia vem “O Espelho”, de Tarkovski; do Brasil, “Lilian M – Relatório Confidencial”, de Carlos Reichenbach e “O Monstro Caraiba”, de Julio Bressane: dois momentos fortes do que ficou conhecido como cinema marginal, ou experimental ou pós-novo, ou o que mais se queira.
A opção hollywoodiana do encerramento é “Um Estranho no Ninho”, de Milos Forman, indagação sobre a ideia de loucura, que ganhou uma penca de estatuetas no Oscar, inclusive melhor direção. Jack Nicholson, que ganhou o prêmio de melhor ator, está memorável.
Para terminar, a mostra incluiu dois filmes que acabam de se tornar centenários: “O Encouraçado Potenkin”, de Sergei Eisenstein, e “Em Busca do Ouro”, de Charlie Chaplin. É um pouco destoante: temos aqui dois arquiclássicos, uma abertura para algo como 50 x 2, de onde poderia sair uma outra bela mostra anual —quem sabe a volta das “Jornadas do Cinema Silencioso”.
De todo modo, “Em Busca do Ouro” está com restauro recente e passa na sexta-feira, 18, às 20h30, na área externa.
Se o tempo não estiver gélido, esse ainda é o filme que melhor pode trazer novos fãs para o cinema. Os demais são, fora o “Potemkin”, ótimos para rever, reavaliar e repensar como andava o cinema há 50 anos, a partir de uma seleção aberta a todos os gêneros, pensamentos e tendências daquele momento.