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Cuiaba - MT / 18 de agosto de 2025 - 17:02

Ministro do STF e pregador da palavra: uma manhã na igreja com André Mendonça

O salão principal da Igreja Presbiteriana do bairro Pinheiros, em São Paulo, já estava praticamente lotado quando a reportagem da Gazeta do Povo chegou, por volta das 10h30 do domingo (17). O preletor do culto das 11h era o reverendo André Mendonça, mais conhecido como um dos ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal (STF).

Formado em teologia, Mendonça retomou sua atividade pastoral neste ano como pastor adjunto desta igreja. Mas esta não é a sua única peculiaridade. O ministro é também o membro do Supremo que mais vem se posicionando contra exageros do STF e do colega Alexandre de Moraes em pautas relevantes, como o 8 de janeiro e controle das redes sociais.

Ao longo de 35 minutos o que ele disse ora ecoava como palavras de ânimo aos fiéis, ora como uma mensagem aos seus desafetos. Mendonça falou sobre vocação e sabedoria divinas, mas também sobre justiça, perseguição e moralidade.

O culto já vai começar 

Apesar do principal auditório estar cheio e da relevância do ministro no cenário jurídico e político, os fiéis não foram revistados nem afastados por seguranças. Um nítido contraste com a passagem de Moraes pela capital paulista seis dias antes, que submeteu até funcionários do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo a revista e a um detector de metais.

A meia hora do começo do culto na igreja em Pinheiros, havia filas para o café e algumas pessoas já buscavam garantir um bom lugar para assistir à pregação.

Com o templo lotado, membros da igreja indicavam salas onde os fiéis poderiam acompanhar a transmissão ao vivo. No simples saguão de entrada, cadeiras de plástico brancas eram dispostas conforme a chegada de novas pessoas.

Livrai-me de todo mal 

A pregação do ministro foi baseada na primeira carta do apóstolo Paulo à igreja de Corinto, na qual ele exorta os membros da congregação a corrigirem algumas condutas erradas.

Embora a carta de Paulo fosse para os irmãos, o ministro enfatizou algumas vezes sobre o poder e cuidado de Deus frente às perseguições, tribulações e até mesmo da morte: “Não esmoreça. Não olhe para circunstâncias. Deus, que governa todas as coisas, está cuidando de você, te preservando de qualquer ataque porque no final serão envergonhados os seus perseguidores, aqueles que estão buscando tirar-te, quiçá, a própria vida.”

O texto da carta destaca também que os conceitos de sabedoria e de loucura podem ter interpretações bem distintas para quem acredita na mensagem central da Bíblia – que é o sacrifício de Jesus. Mendonça passou boa parte da pregação explicando sobre esse ponto.

O ministro do STF não tratou de política. Mas, para quem se esforçou para ler as entrelinhas, alguns trechos da pregação chamaram a atenção. Como esse, em que ele reproduz queixas hipotéticas de fiéis insatisfeitos: “Senhor, não está vendo o que está acontecendo? A injustiça no nosso país, no mundo, na sociedade em geral, na minha empresa? O senhor não está vendo o que estão fazendo comigo?”, indagou ele, garantindo em seguida que Deus está vendo e age no tempo certo.

Durante o sermão, foi possível ouvir alguns dos fiéis presentes elogiarem o pastor e a sua mensagem.

“Estamos precisando” de orações 

O ministro lembrou do livro de Habacuque, sobre o qual pregou na mesma igreja, em março, e que questiona Deus sobre as injustiças sofridas por seu povo. Mendonça abordou as diferenças de valores sob a ótica do mundo e de Deus, e entre vocação e profissão:  “Tem gente que acha que nasceu para ser presidente da empresa, prefeito, ministro do Supremo, mas só estamos aqui porque Deus nos colocou. A sua profissão não é a sua vocação, é um meio para servir a Deus.”

Ele explicou o conceito bíblico de “servir”: “O poder não é uma prerrogativa para si, mas que todo poder e autoridade vem de Deus. Não busque o poder para servir-se, mas o exerça como dever de servir, para construir e não para destruir, para abençoar e não para amaldiçoar”.

Ao final do culto, Mendonça se posicionou próximo à porta de madeira que dá acesso ao auditório, apertando as mãos e tirando fotos com os crentes que conseguiram garantir seus lugares no saguão principal.  

Tratando-o somente como pastor, a grande maioria apenas agradeceu pelas palavras. Alguns, porém, não se aguentaram e elogiaram sua atuação no STF. Um homem, inclusive, perguntou a Mendonça sobre sua agenda, verificando a possibilidade de apresentá-lo a um desembargador em São Paulo. Mas, se esse encontro acontecer, será somente após setembro. O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro está marcado para o segundo dia do próximo mês.

Com a fila de fiéis interessados em conhecê-lo terminando, uma senhora vestindo amarelo abordou Mendonça com bastante efusividade. Disse que estava orando por ele diariamente, fazendo menção à atuação do magistrado, que já confrontou Moraes. O ministro do Supremo agradeceu com um sorriso no rosto e afirmou: “Estamos precisando.”

Desde que se tornou pastor adjunto na Igreja Presbiteriana de Pinheiros, André Mendonça tem pregado em média uma vez por mês.

Quem é André Mendonça 

André Mendonça tem 52 anos, é natural de Santos, no litoral de São Paulo e é ex-advogado-geral da União (AGU). O ex-presidente Jair Bolsonaro o chamou para ser ministro de Justiça e Segurança Pública de seu governo e depois o indicado para uma vaga no STF.  

Ele tomou posse em 2021. Sua indicação foi polêmica porque Bolsonaro disse à época que escolheria alguém “terrivelmente evangélico”. Mendonça afirmou em seu discurso de posse e em outras ocasiões que defende o estado laico.  

As principais divergências com Moraes 

As divergências de voto entre ele e o ministro Alexandre de Moraes são notáveis e se manifestam em diversas questões polêmicas, como os atos de 8 de janeiro, o Marco Civil da Internet e a restrição de poderes do judiciário. 

Mendonça foi o único ministro a votar pelo impedimento de Moraes na condução do inquérito onde ele seria uma das vítimas do suposto plano golpista. Mesmo alegando que isso comprometeria a imparcialidade na análise do caso, foi voto vencido pela maioria. 

Seus colegas de STF Nunes Marques e Luiz Fux também têm se posicionado contra decisões arbitrárias da Corte, mas Marques, por exemplo, é mais sutil nas divergências com Moraes. Os dois discordam de Moraes em relação à dosimetria da pena, ou seja, o tempo de prisão. Já Fux defendeu que a análise de algumas ações sobre os atos antidemocráticos deveria ser feita no Plenário da Corte, o que contrastava com a posição do relator Moraes. 

Mendonça também votou contra a mudança do artigo 19 do Marco Civil da Internet que responsabiliza e pune as plataformas digitais por conteúdos gerados por terceiros, o que cria uma espécie de censura terceirizada. Ele argumenta que o tema é complexo e que a alteração da lei deveria ser discutida pelo Congresso Nacional.  

Em relação aos atos de 8 de janeiro, Moraes tem atuado como relator em grande parte dos casos e defende a punição rigorosa dos réus por “crimes graves e antidemocráticos”. Mendonça, por sua vez, votou pela absolvição de alguns réus sob a premissa que as provas apresentadas não são sólidas o suficiente para justificar a condenação de todas as pessoas. 

Os dois discordam ainda sobre os limites do poder. Mendonça tem se posicionado contra o que ele considera um “arrastão” na quebra de sigilo, onde dados de um número indeterminado de pessoas são acessados. Já Moraes defende a necessidade dessas medidas para combater crimes complexos e evitar que eles fiquem impunes. 

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