Dedos médios, dedos médios
Onde estão? Aqui estão
Eles se saúdam, eles se saúdam
E se vão, e se vão
No mesmo dia em que entrou para o rol dos pulhas internacionais sancionados com a “pena de morte financeira”, o ministro Alexandre “Magnitsky” de Moraes foi assistir a um jogo do Corinthians. O Alvinegro do Parque São Jorge venceu seu maior rival, o Palmeiras, por 1 a 0. Mas o supremo sancionado não pareceu exatamente feliz, não. Tanto que, sob vaias, mostrou o dedo do meio para a torcida. Sim, um ministro do Supremo Tribunal Federal. Se bem que sancionado pela Lei Magnitsky. Né?
Ao ver a imagem do insulto gestual de Moraes, num primeiro momento me lembrei da musiquinha infantil que serve como epígrafe a esta crônica. Ah, a pureza das crianças. Uma coisa leva a outra e no instante seguinte eu estava pensando que, de todas as virtudes, a pureza é a mais desprezada da modernidade – tema que pretendo desenvolver num texto futuro. E aí me lembrei do meu amigo Alexandre Soares Silva, que há 22 anos perguntava: que espécie de argumento é uma bunda?
Derrière
Ele se referia àqueles protestos comuns no começo do século, em que moças e senhoras desnudavam seu derrière em defesa de uma causa qualquer. “Todas as causas que são defendidas por pessoas peladas em parques são erradas”, escreve ele e eu emendo: todas pessoas que se defendem com o dedo do meio em riste são e estão erradas. Assim como a bunda é o argumento de quem só tem a lógica da celulite como base, o dedo do meio é o argumento de quem só tem a lógica do ódio como base.
Ao ver aquele gesto, qualquer pessoa com um pouco de vergonha na cara e que por algum motivo, inclusive aceitação social, ainda estivesse defendendo Alexandre de Moraes, deveria mudar de ideia. Um ministro do STF, um “defensor da democracia” que, depois de ser sancionado com a gravíssima Lei Magnitsky, vai ao jogo do Corinthians e mostra o dedo para a torcida, para o povo ao qual ele deveria servir, só é merecedor do apoio daqueles que comungam de uma visão de mundo barbaramente autoritária. E perversa.
Cícero acreditava que o poder era legitimado pela eloquência. Alexandre de Moraes acredita que basta mostrar o dedo do meio.
Verbete de DSM
Porque ao mostrar o dedo do meio, Alexandre de Moraes expõe sua incapacidade de decidir racionalmente e de justificar essa decisão por meio da persuasão. Porque só os animais irracionais “convencem” assim, por meio da violência gestual. O dedo do meio, aliás, explica o desprezo de Alexandre de Moraes pelo texto bem-escrito e sem erros de português, bem como o uso da ênfase gráfica (negrito e CAIXA ALTA) e dos múltiplos pontos de exclamação. O dedo do meio é a marca do tosco.
Todos esses elementos juntos revelam um homem que abdicou da razão e que é movido por outras coisas, da contrariedade ideológica ao ódio puro e simples, passando pela vaidade e provavelmente algum verbete de DSM. Um homem que despreza seus semelhantes (que tem por inferiores), seu país, as instituições e a democracia que mente defender. O dedo do meio é o símbolo de alguém que desdenha para tudo aquilo que nos faz civilizados.
Bueiro da história
Afinal, o que o dedo do meio propõe de positivo? De criador, no sentido mais… divino da palavra? Nada. O dedo do meio é uma ameaça que exige submissão – inclusive num contexto sexual. É uma perversidade gestual. Nada de bom pode surgir de uma interação em que uma das partes exibe o dedo do meio. A nenhum consenso é possível se chegar por meio do gesto obsceno. E um país controlado por alguém que mostra o dedo do meio, ainda mais depois de ser mundialmente reconhecido como um violador dos direitos humanos, não tem um futuro muito auspicioso pela frente.
A coisa piora um pouco mais se pensarmos que Alexandre de Moraes mostrou o dedo do meio num momento de fragilidade, em que qualquer pessoa com um mínimo de bom senso, vendo-se incluída numa lei que pune nada menos do que a escória da Humanidade, deveria se perguntar o que a levou até ali. E como poderia sair dessa enrascada que não é só uma enrascada jurídica e política; é uma enrascada moral a espiritual. É de dar pena. De nós, mas também dessa alma que escorre pelo bueiro da história e que parece implorar para ser resgatada.