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Cuiaba - MT / 16 de agosto de 2025 - 7:19

Gilmar Mendes é o autor mais citado em teses da Faculdade de Direito da USP

Na faculdade de Direito mais influente do Brasil, o jurista citado com mais frequência não é um autor universalmente conhecido, nem um nome clássico da tradição jurídica brasileira — é o ministro Gilmar Mendes.

A conclusão é fruto de uma análise detalhada. A Gazeta do Povo analisou todas as 347 dissertações de mestrado e teses de doutorado produzidas entre 2020 e 2025 e disponíveis no repositório da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, parte da Universidade de São Paulo (USP).

O decano do STF é o nome mais comum nesses trabalhos. Ele aparece em nada menos que 151 teses, deixando para trás colegas de Supremo Tribunal como Luiz Fux (82 citações), Ricardo Lewandowski (75) e Alexandre de Moraes (61).

Os dados foram extraídos pela Gazeta do Povo e compilados com a ajuda da ferramenta de inteligência artificial Pinpoint, do Google, que identifica os nomes citados em cada trabalho. Embora haja pequenas imprecisões, o resultado permite uma estimativa confiável de quais pessoas são citadas com mais frequência no material analisado. A reportagem da Gazeta do Povo revisou os dados e atualizou os números manualmente (por exemplo: “Gilmar Mendes” e “Gilmar Ferreira Mendes” são a mesma pessoa, embora o Pinpoint contabilize os dois nomes em separado). 

Mendes é citado como ministro, pelos votos e decisões que já proferiu; como autor de livros na área de direito constitucional; e até como tradutor de obras estrangeiras, especialmente de doutrina constitucional comparada.

Esse protagonismo revela um traço forte do ensino jurídico no Brasil: o peso enorme que o Supremo Tribunal Federal tem na formação teórica e prática dos novos juristas. Em vez de beberem direto da fonte dos grandes pensadores do Direito, muitos acadêmicos acabam olhando para o STF como bússola intelectual. 

A íntegra dos 347 trabalhos acadêmicos pode ser consultada neste link.

A força da jurisprudência e o enfraquecimento do debate teórico 

Um dos pontos que mais chamam atenção nas teses da USP é que os ministros do STF viraram as principais referências do pensamento jurídico. Em vez de estudarem grandes correntes teóricas ou debaterem ideias clássicas, muitos alunos e pesquisadores estão focados em interpretar decisões recentes e acompanhar os temas que ganham espaço no noticiário jurídico. 

Isso aproxima a academia da prática forense, mas deixa pouco espaço para reflexões mais profundas sobre os fundamentos do direito. O risco é formar juristas que sabem aplicar a norma, mas pouco questionam suas bases ou compreendem sua evolução histórica — o que empobrece o debate e compromete a solidez do ensino jurídico a longo prazo. 

O pensamento comunista no direito: entre ideologia e transformação 

Outro ponto que salta aos olhos é a presença do pensamento comunista nas teses. 

Karl Marx é citado em 36 trabalhos, Friedrich Engels em 15 e Vladimir Lênin em 12. Ainda que nem todas as menções impliquem concordância com seus postulados, o número expressivo de citações demonstra que há espaço considerável na academia jurídica para teorias que enxergam o direito como ferramenta da ideologia com viés extremista. 

A influência marxista tem como característica a visão do direito como reflexo das estruturas econômicas e das relações de poder, servindo aos interesses das classes dominantes. Essa leitura leva à ideia de que o sistema jurídico precisa ser superado ou reconfigurado para promover igualdade. Quando essas ideias são incorporadas sem o devido contraponto, corre-se o risco de relativizar garantias individuais, o devido processo legal e a estabilidade institucional — fundamentos essenciais do Estado de Direito. 

Positivismo domina o ensino jurídico 

Outra linha de pensamento marcante que domina as teses da USP é o positivismo jurídico. Para essa concepção, o que importa é a forma da lei, não seu conteúdo moral. A norma vale porque foi posta pelo Estado, e ponto final. 

Os dois autores mais citados nesse campo são Norberto Bobbio (com 52 menções) e Hans Kelsen (com 45). Kelsen, com sua famosa “Teoria Pura do Direito”, defendia um sistema jurídico desligado de moralidade, religiões ou juízos de valor. Bobbio, embora tenha se aproximado de temas como democracia e direitos humanos, também mantém a base formalista do positivismo. Nesse modelo, o direito vira técnica, e não mais um instrumento de justiça. 

Enquanto isso, pensadores que valorizam a continuidade, os costumes e o direito natural aparecem muito menos. Edmund Burke, por exemplo, é citado em apenas 5 teses. Santo Agostinho e John Locke aparecem em 24, Santo Tomás de Aquino, em 21 e o Denzinger (compêndio doutrinal da Igreja) em só 2.  

O direito ainda bebe nas fontes da Revolução Francesa 

Ao analisar o que vem sendo produzido na principal faculdade de direito do país, a USP, chama atenção como ideias da Revolução Francesa ainda têm peso nas teses. Pensadores como Rousseau (citado em 35 teses) e Montesquieu (em 30) aparecem com frequência como base teórica. Apesar de ambos terem ajudado a formular conceitos como contrato social e separação de poderes, suas ideias moldaram o pensamento revolucionário que se sucedeu. 

O problema não é citar esses autores, mas sim a maneira de interpretá-los. A Revolução Francesa rompeu com valores tradicionais e deu origem a um modelo de Estado mais centralizador e autoritário, como se viu a partir de Napoleão. Sob essa ótica a norma legal passa a ser usada como ferramenta de poder do Estado, em vez de expressão de princípios morais ou permanentes. 

E o direito natural? Fica em segundo plano 

O jusnaturalismo, por sua vez, sustenta a ideia de que existe um direito anterior ao Estado, enraizado na razão, na natureza humana e até na tradição religiosa. Contudo, esse conceito tem menor espaço nas teses analisadas. Pensadores que defendem essa visão aparecem menos. 

Santo Agostinho aparece em 24 teses. Santo Tomás de Aquino, em 21 teses. E o próprio Jesus Cristo, aparece apenas em 16 teses. Esse tipo de dado sugere que, na USP, a formação jurídica segue com pouca ênfase nos fundamentos que construíram o direito ocidental ao longo de séculos. 

Juristas e filósofos clássicos são menos lembrados que ministros do STF 

Se a presença de autores revolucionários e positivistas é marcante, o mesmo não se pode dizer dos grandes nomes da tradição jurídica brasileira. O caso mais emblemático é o de Ruy Barbosa, citado em 75 teses. Número alto, mas ainda assim metade das menções feitas a Gilmar Mendes. Miguel Reale aparece em 38, Pontes de Miranda, em 43, e Clóvis Bevilácqua, em apenas 14. 

Retrato do jurista, político, advogado, diplomata, escritor, filólogo, jornalista, tradutor e orador Ruy Barbosa em 1919. (Foto: Arquivo/ Domínio público)

Platão e Aristóteles também marcam presença nas teses da USP, com 29 e 48 citações, respectivamente. Mesmo sendo pensadores clássicos e fundamentais para a filosofia e o direito ocidental, os números mostram que eles ainda ocupam menos espaço do que ministros e autores contemporâneos. 

O risco de um direito sem raízes 

O levantamento mostra que boa parte da produção acadêmica em direito na USP se apoia em correntes como o positivismo, a tradição revolucionária francesa e o pensamento de matriz socialista. Nessa abordagem, o foco costuma estar mais na estrutura das normas e nas mudanças sociais do que na ideia de princípios permanentes ou valores morais universais como base do direito. 

Com isso, o ensino jurídico tende a enfatizar o direito como uma construção histórica e política, muitas vezes moldada por quem está no poder, deixando em segundo plano a discussão sobre fundamentos éticos, justiça objetiva ou continuidade com a tradição ocidental. 

Os 30 autores mais citados nas teses de mestrado e doutorado da USP (de 2020 a 2025)

Autor – Citações (dentre 347 trabalhos)

  1. Gilmar Mendes, 151 vezes
  2. Luiz Fux, 82 vezes
  3. Ricardo Lewandowski, 75 vezes
  4. Edson Fachin, 74 vezes
  5. Rosa Weber, 65 vezes
  6. Alexandre de Moraes, 61 vezes
  7. Sergio Fabris, 58 vezes
  8. Nancy Andrighi, 52 vezes
  9. Norberto Bobbio, 52 vezes
  10. Getúlio Vargas, 51 vezes
  11. Joaquim Barbosa, 51 vezes
  12. Luís Roberto Barroso, 49 vezes
  13. Aristóteles, 48 vezes
  14. Candido Dinamarco, 48 vezes
  15. Cármen Lúcia, 48 vezes
  16. Ada Pellegrini Grinover, 45 vezes
  17. Calouste Gulbenkian, 45 vezes
  18. Hans Kelsen, 45 vezes
  19. Luis Salomão, 45 vezes
  20. Sepúlveda Pertence, 45 vezes
  21. José Afonso da Silva, 44 vezes
  22. Cezar Peluso, 43 vezes
  23. Pontes de Miranda, 43 vezes
  24. Tércio Sampaio Ferraz Júnior, 43 vezes
  25. Orlando Gomes, 41 vezes
  26. Ellen Gracie, 40 vezes
  27. Marco Bellizze, 40 vezes
  28. Miguel Reale, 38 vezes
  29. Flávio Luiz Yarshell, 37 vezes
  30. Ricardo Cueva, 37 vezes

Marco Aurélio é o segundo nome que mais aparece, com 92 menções. No entanto, há pelo menos três figuras distintas com esse nome: o ministro Marco Aurélio Bellizze, do STJ; o ex-ministro Marco Aurélio Mello, do STF; e o jurista Marco Aurélio Greco.

O terceiro nome mais citado, com 82 menções, é Celso de Mello. Nesse caso, também existem dois homônimos: o ex-ministro do STF Celso de Mello e o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello.

Como a ferramenta não consegue diferenciar de forma precisa a qual pessoa cada citação se refere — já que, em alguns trechos, pode aparecer apenas “ministro” ou “Celso de Mello”, e em outros, “Bandeira de Mello” junto com menções ao “ministro” — optou-se por retirar esse nome da lista para evitar confusão.

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