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Cuiaba - MT / 24 de junho de 2025 - 22:43

Forças Armadas do Brasil já tiveram plano secreto para construir bomba atômica

Os ataques de Israel e dos Estados Unidos às instalações nucleares de Fordow, no Irã, reacenderam o debate sobre o uso da energia atômica para fins militares. 

Hoje, as estimativas mais confiáveis são de que nove países têm armas nucleares: além dos americanos e israelenses, China, França, Reino Unido, Índia, Paquistão e a Coreia do Norte possuem ogivas desse tipo. Durante um tempo, o Brasil tentou fazer parte deste grupo. 

O projeto (secreto) da bomba atômica brasileira durou cerca de uma década e foi enterrado definitivamente na virada da década de 1990. Ainda assim, o país foi um dos últimos a aderir ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. 

Túneis para testes nucleares no Pará 

O projeto da bomba atômica brasileira jaz na Serra do Cachimbo, no sul do Pará. A área, remota e praticamente inacessível por terra, abriga uma base da Força Aérea. 

Foi ali que, em 18 de setembro de 1990, o então presidente Fernando Collor jogou uma pá de cal (literalmente) sobre um túnel construído para realizar testes nucleares. 

O poço havia sido construído em 1984 por ordem do general Danilo Venturini, do Conselho Nacional de Segurança. O túnel tinha 320 metros de profundidade e 1,2 metro de diâmetro. Oficialmente, nenhuma explosão foi realizada no local. 

Quando Collor encerrou definitivamente os planos de uso militar da energia atômica, o mundo vivia uma onda de otimismo com a expansão da democracia liberal e o prenúncio de tempos de paz. O Muro de Berlim havia caído no ano anterior, e a União Soviética estava perto do colapso.  

Ao seu estilo, Collor atraiu para si os holofotes. Mas a verdade é que o primeiro presidente eleito pelo voto direto depois do fim da ditadura estava apenas aplicando as normas da Constituição de 1988, que veta o uso da tecnologia nuclear para fins militares e exige aprovação do Legislativo para o uso pacífico da energia atômica. “Toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional”, diz o Artigo 21 da Carta Magna. 

Programa secreto começou sob Figueiredo 

No fim dos anos 1970, os Estados Unidos haviam endurecido as normas para cooperação nuclear com outros países, mesmo que para fins pacíficos. Como reação, o regime militar brasileiro decidiu buscar a autonomia completa nesse quesito.  

O principal incentivo para o desenvolvimento da tecnologia nuclear no Brasil veio do próprio presidente João Batista Figueiredo, que assumiu o comando da ditadura em março de 1979. Àquela altura, o país já trabalhava para construir as usinas nucleares de Angra dos Reis. Mas Figueiredo deu luz verde para um programa sigiloso que tinha objetivos militares: o domínio do ciclo nuclear completo, incluindo o enriquecimento de urânio.

Interior da usina de Angra 2: tecnologia nuclear usada apenas para produção de energia.Interior da usina de Angra 2: tecnologia nuclear usada apenas para produção de energia. (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

A iniciativa foi lançada no mesmo ano e teve duas ramificações: uma a cargo da Aeronáutica e outra sob responsabilidade da Marinha. Mais adiante, o projeto viria a ser apelidado de Programa Nuclear Paralelo. 

Anos depois, o ministro da Marinha de Figueiredo admitiria que o sigilo buscava evitar a pressão internacional contra o projeto brasileiro — sobretudo dos Estados Unidos. “A pressão deles é terrível”, disse o almirante Maximiniano da Fonseca, durante depoimento a uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional em 1990.

CPI concluiu que Brasil conseguiria fazer a bomba 

No mesmo ano em que Collor jogou a pá de cal sobre o túnel de testes nucleares, o Congresso Nacional abriu uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o programa nuclear secreto do Brasil. A CPI ouviu militares envolvidos no projeto, inclusive Maximiano da Fonseca. Ele defendeu o uso da tecnologia nuclear para fins militares, como a propulsão de submarinos, mas disse não apoiar a produção de bombas atômicas. 

Responsável pelo projeto na Serra do Cachimbo, Danilo Venturini também negou que o objetivo do projeto fosse desenvolver ogivas nucleares para uso militar. Ao mesmo tempo, ele disse que o Brasil deveria ter a autonomia para decidir se usaria a tecnologia nuclear para gerar “explosões pacíficas” — por exemplo, para viabilizar a extração de petróleo em algumas áreas. “O Brasil, na minha opinião, deve ter competência para, em qualquer momento (…) tomar a decisão sobre caminho a seguir. Cabe aos senhores, e unicamente aos senhores, dizer: vai o Brasil um dia fazer uma explosão pacífica ou não?”, disse ele aos deputados e senadores.

O relatório final da CPI afirmou que a Marinha do Brasil já havia sido capaz de enriquecer urânio em Iperó (SP). O texto também concluiu que a Aeronáutica, em São José dos Campos (SP), atuava para enriquecer urânio por meio de raios laser. E que, em Guaratiba (RJ), o Exército se preparava para construir um reator de urânio movido a grafite. 

O enriquecimento de urânio é o passo mais importante para a produção de armas nucleares.
A CPI também afirma que, dentro dos parâmetros pré-Constituição de 1988, o Programa Nuclear Paralelo não era ilegal. O tom do relatório final é, até certo ponto, elogioso. “O Programa Nuclear Paralelo ou Autônomo, conseguiu, através do esforço das Forças Armadas e da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN -, avanços significativos na área nuclear”, afirma o documento, assinado pelo deputado Severo Gomes. 

Em 1990, Jornal do Brasil reproduziu conclusões de CPI sobre tecnologia nuclear.Em 1990, Jornal do Brasil reproduziu conclusões de CPI sobre tecnologia nuclear. (Foto: Reprodução/Biblioteca Nacional)

Rivalidade com a Argentina 

Ao mesmo tempo em que o regime militar atuava para que o Brasil dominasse o ciclo nuclear completo, a ditadura da Argentina tinha um objetivo semelhante. A corrida se justificava: se um dos dois ficasse para trás nesse quesito, permitiria que o vizinho passasse a ter o domínio militar da América do Sul. Quando ambos se redemocratizaram, a desmobilização nuclear também precisava ser mútua. 

Por isso, ainda em 1985 — com os dois países sob governos civis — os argentinos procuraram as autoridades brasileiras para propor um acordo em que ambos os países renunciaram ao uso da energia nuclear para promover qualquer tipo de explosão. 

Em novembro daquele ano, os presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín assinaram a Declaração Conjunta de Foz do Iguaçu. Nela, os países se comprometem a desenvolver a energia nuclear “com fins exclusivamente pacíficos”. 

Ainda assim, as suspeitas prosseguiram. Os túneis de testes na Serra do Cachimbo estavam ativos em 1986, como revelou uma reportagem da Folha de S. Paulo à época. No ano seguinte, Brasil e Argentina assinaram um novo acordo em que asseguram um ao outro o acesso a instalações nucleares como forma de assegurar que a tecnologia está sendo usada apenas para a produção de energia elétrica. 

Brasil só assinou tratado de não-proliferação em 1998 

Ainda em 1990 — o ano em que jogou enterrou simbolicamente o projeto da bomba atômica — Fernando Collor também assinou um acordo com a Argentina no qual os países aprofundam a cooperação mútua para assegurar que não houvesse uso da energia nuclear para fins militares.

Apesar da iniciativa de Collor, o Brasil só aderiu ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso. Àquela altura, 185 países já haviam assinado o acordo. 

No pacto, na condição de um país não-detentor de armas nucleares, o Brasil se compromete “a não receber a transferência, de qualquer fornecedor, de armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, ou o controle, direto ou indireto, sobre tais armas ou artefatos explosivos; a não fabricar, ou por outros meios adquirir armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, e a não procurar ou receber qualquer assistência para fabricação de armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares”. 

Hoje, 191 países são signatários do Tratado de Não-Proliferação Nuclear. Entre os não-signatários estão Israel e Paquistão. O Irã assinou o acordo ainda antes da Revolução Islâmica de 1979 e nunca se retirou formalmente do pacto. 

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