A nova presidente da UNE é fã de Taylor Swift — a mais convencional e comportada dentre as cantoras famosas dos Estados Unidos.
E esta é a única novidade no comando da maior organização estudantil do país. Fora isso, Bianca Borges, de 25 anos, é igual a seus antecessores no cargo: defende Cuba e Venezuela, odeia Israel, quer a legalização do aborto e pertence à UJS (União Juventude Socialista), o braço do PCdoB que controla a UNE há três décadas.
Bianca foi eleita no último dia 20 com exatos 82,62% dos votos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve presente no evento, que aconteceu em um ginásio em Goiânia.
Veja a entrevista com Bianca Borges ao fim desta reportagem.
Quem é Bianca Borges?
Bianca Borges nasceu em Itapevi (SP) mas depois se mudou com a família para Praia Grande (SP). Ela se envolveu no movimento estudantil aos 14 anos, quando era aluna da Escola Técnica Estadual de São Paulo (ETEC) da cidade. “Entre as principais pautas, estava bater de frente com o autoritarismo do diretor e ter um micro-ondas para esquentar a marmita já que passavam o dia todo na escola”, diz a biografia da jovem produzida pelo site da UNE.
Aos 17, Bianca passou no vestibular para Direito na Universidade de São Paulo (USP). Lá, foi integrante do tradicional Centro Acadêmico XI de Agosto e do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Bianca concluiu o curso em 2022, mas voltou à graduação em 2023 para estudar Letras no Instituto Federal de São Paulo. Entre uma coisa e outra, atuou como advogada.
Como voltou a ser universitária, ela retomou a vida estudantil e foi eleita, já no mesmo ano, presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) de São Paulo. Este foi o degrau que a levou ao comando da UNE, impulsionada pela máquina da UJS.
À frente da UNE, Bianca promete atuar pela taxação dos super-ricos e o fim do arcabouço fiscal, que disciplina os gastos do governo. “O Brasil precisa de um investimento robusto em educação e nas áreas sociais”, ela afirmou, logo após ser eleita.
Fã de Taylor Swift e turista em Nova York
Bianca parece ter as aspirações de uma jovem comum de classe média: gosta de Taylor Swift, escreve em inglês nas redes sociais e já posou encantada na Times Square.
Em 2017, quando já era lulista, ela viajou aos Estados Unidos depois de ser selecionada para participar do programa Jovens Embaixadores, que tem o apoio do governo americano. Enquanto esteve lá, ela achou tempo para participar de uma manifestação contra Donald Trump, que estava em seu primeiro mandato.
O álbum de Bianca no Instagram tem fotos tanto em Nova York com seus letreiros coloridos quanto em Havana. “Nova York ainda tem todo o brilho iridescente do começo do mundo, como disse Fitzgerald há mais de cem anos”, ela escreveu em 2022 — em inglês — na legenda de uma foto na Times Square.

Pautas radicais
A admiração pela música pop e o encanto com Nova York talvez pudessem sugerir que, enfim, a UNE terá alguém moderado na presidência. Mas não foi desta vez: Bianca Borges defende pautas radicais, tanto quanto os antecessores no cargo.
Em junho deste ano, ela compartilhou uma publicação em que o ativista Humberto Matos afirma: “Odiar Israel é dever de quem ainda tem humanidade. O demônio é real, e precisa ser parado”.
Bianca também é ativista pela legalização do aborto e só tem elogios para as ditaduras de Cuba e da Venezuela.
Em março deste ano, ela escreveu que “é imperativa a solidariedade a Cuba e Venezuela, países cujo povo é covardemente agredido com sanções por ousar construir pátrias soberanas, assentadas na universalização de direitos para o povo”. No mesmo dia, ela conclamou a esquerda a se engajar em uma luta “internacionalista: “A ascensão do neofascismo é global. A deterioração das condições de vida da classe trabalhadora, vítima da exploração do sistema capitalista, também”, afirmou.
Até mesmo a admiração por Taylor Swift virou objeto de reflexão política de Bianca. Em 31 de dezembro de 2024, ela escreveu em sua conta no X: “Não dava pra terminar o ano sem falar de algo que rola todos os dias e teve alguns extremos esse ano (inclusive com atentados fatais): a hostilidade direcionada aos fãs da Taylor Swift frequentemente ultrapassa o simples gosto musical, revelando a misoginia como raiz”.
Apoio da chapa “Intifada”
Por algum motivo, as chapas na eleição da UNE têm nomes compridos.
A de Bianca, a Chapa 3, se apresentava como “Unidade e coragem em defesa do Brasil: estudantes nas ruas para derrotar a extrema direita, taxar os super-ricos e investir na educação”.
O grupo de Bianca teve apoio da Chapa 1, que retirou a candidatura para se aliar à Chapa 2 e tinha um nome curioso: “Intifada – Construir uma oposição de esquerda ao governo na UNE para enfrentar a extrema direita, o arcabouço fiscal e a 6×1”. O termo “intifada” vem do árabe e significa “rebelião”. A expressão é usada por palestinos que defendem um levante violento contra Israel.
Juntos, os dois grupos derrotaram a Chapa 2 “Oposição Unificada e independente para mudar a UNE: Em defesa do orçamento e da educação”.
O mandato da diretoria da UNE é de dois anos.
Quatro perguntas para a presidente da UNE
A Gazeta do Povo procurou Bianca Borges que, por email, respondeu as quatro perguntas enviadas pela reportagem. Veja a íntegra das respostas.
Quais serão as prioridades do seu mandato? Será uma gestão de continuidade?
O mandato representa um projeto coletivo comprometido com o avanço e aprofundamento das lutas históricas do movimento estudantil. Teremos como prioridade a regulamentação do ensino superior privado, que hoje opera em grande parte sem transparência nem compromisso com a qualidade. Vamos defender a retirada da educação do arcabouço fiscal, a recomposição do orçamento das universidades e institutos federais, mais investimentos públicos e políticas estruturadas de permanência estudantil, com foco no PNAES, moradia, alimentação e assistência estudantil ampla. É um mandato de continuidade no compromisso com a educação pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada e de ousadia na disputa pelo futuro do Brasil.
Em junho, você compartilhou uma mensagem segundo a qual odiar Israel “é dever de quem ainda tem humanidade”. Você continua pensando desta forma sobre o país?
Repudio de forma veemente o genocídio promovido pelo Estado de Israel contra o povo palestino. Esse repúdio se dirige ao governo e ao regime sionista, e não à população israelense ou às pessoas de fé judaica (muitas das quais, inclusive, têm se somado às denúncias contra os crimes cometidos em Gaza). O posicionamento da UNE é solidário à luta do povo palestino por liberdade, autodeterminação e justiça. Defendemos o fim da ocupação sionista e a responsabilização internacional pelos crimes contra a humanidade praticados sob o pretexto de combate ao terrorismo.
Você vê alguma contradição entre apoiar os regimes de Cuba e Venezuela e defender a democracia?
Não há contradição. Tanto Cuba quanto Venezuela realizam processos eleitorais com ampla participação popular e acompanhamento de observadores internacionais. O que existe é uma tentativa de deslegitimar suas experiências políticas por não se submeterem à lógica hegemônica do neoliberalismo e do imperialismo. Apoiar esses países não significa defender um modelo a ser copiado, mas reconhecer seu direito à soberania e à construção de projetos nacionais próprios, sem bloqueios ou ingerências externas.
Da mesma forma, como simpatizante de regimes que se opõem aos Estados Unidos, você vê alguma contradição entre criticar os EUA e ter visitado o país, inclusive como integrante do programa Jovens Embaixadores?
Não há contradição. Participei do programa Jovens Embaixadores quando estudei na escola pública e fui selecionada entre mais de 19 mil jovens por minha atuação voluntária e liderança social ainda no ensino médio. Essa experiência não implica adesão às políticas dos Estados Unidos, tampouco endosso a sua postura imperialista no mundo. Vivenciar essa realidade, inclusive, reforçou meu compromisso com a soberania nacional e com o enfrentamento às desigualdades globais. Viajar ou estudar em determinado país não nos obriga a concordar com seus governos, especialmente quando estes impõem sanções, guerras e chantagens a outros povos.