Para antigos editores de Tati Bernardi, a evolução de sua literatura passaria por escrever um romance de ficção. Mas a autora logo percebeu que é justamente na autoficção que reside sua força. “Quando eu me coloco como personagem, a história deslancha”, disse ela na noite de domingo (15), na Feira do Livro, em mesa mediada pela jornalista Aline Midlej.
Paulistana nascida em 1979, Bernardi começou a carreira escrevendo roteiros para televisão e colunas de comportamento. Entre suas obras mais conhecidas estão “A Mulher que Não Prestava”, “Depois a Louca Sou Eu”, adaptado para o cinema, e “Você Nunca Mais Vai Ficar Sozinha”.
Em “A Boba da Corte”, seu livro mais recente, a autora narra suas origens na zona leste e os encontros e desencontros com os tipos da elite cultural da cidade. “É um relato um pouco mais político ou sociológico comparado ao que costumo escrever, embora não fosse essa a intenção”, afirmou.
Ao reconhecer que ascendeu socialmente por mérito, escancara as contradições do meio progressista que frequenta desde que começou a escrever. A escritora não poupa ninguém, nem a si mesma. “O único perdão para uma autora egocêntrica como eu vem de me expor ao ridículo”, disse.
É pelo humor, aliás, que ela se diferencia de suas referências na autoficção, como os franceses Annie Ernaux e Edouard Louis. “Os dois tratam de percursos muito dramáticos. Eu estou rindo da minha própria personagem há 25 anos.”
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Na mesa anterior, a geógrafa e ativista americana Ruth Wilson Gilmore, referência mundial no movimento abolicionista antiprisional, lançou luz sobre o sistema penal dos Estados Unidos e suas raízes estruturais no racismo. Ela lança no Brasil “Geografia da Abolição”, pela Boitempo.
Autora de “Golden Gulag” e “Change Everything“, Gilmore é uma das vozes mais influentes na crítica ao encarceramento em massa. “Na minha casa e na minha comunidade, cresci muito próxima ao movimento de libertação da população negra americana. Meus pais já viviam esse movimento antes de mim”, contou.
Segundo ela, as populações mais afetadas por prisões e punições são também as mais desassistidas pelo Estado. “As pessoas mais vulneráveis são também as mais prováveis de serem punidas.”
Gilmore descreveu como o descaso contra juventude negra molda a realidade de comunidades inteiras. “O cenário é de abandono sistemático e violência institucional”, disse. Mesmo durante o governo do democrata Barack Obama, a situação pouco mudou, ela diz. “Eram tempos em que havia um homem negro na Casa Branca e um milhão de homens negros americanos na prisão.”