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Cuiaba - MT / 18 de agosto de 2025 - 17:20

Embrião congelado por 31 anos se torna o “bebê mais velho do mundo” após adoção

Uma mulher do estado americano de Ohio deu à luz recentemente ao que vem sendo chamado de “o bebê mais velho do mundo”. 

Na certidão de nascimento, Thaddeus Daniel Pierce nem completou um mês: ele nasceu, saudável, em 26 de julho. Mas, a depender da forma como se conta o tempo, ele é muito mais velho: tem 31 anos. 

Thaddeus é resultado de um processo de fertilização in vitro. Em 1994, depois que os pais escolheram implantar outros embriões, ele foi congelado e preservado criogenicamente. Como boa parte dos embriões produzidos no processo de inseminação artificial, seu destino seria o congelamento por tempo indeterminado. Mas a história de Thaddeus é diferente porque ele foi adotado e transferido com sucesso para o útero de sua nova mãe. Ele bateu um recorde: é o embrião mais antigo do mundo a resultar em um nascimento bem-sucedido.

Como funciona a adoção de embriões nos Estados Unidos    

Na década de 1990, com dificuldades para engravidar, Linda Archer e seu então marido recorreram à fertilização in vitro (FIV), que lhes agraciou com quatro embriões. Um deles se tornou sua filha, hoje com 31 anos. Os outros três permaneceram criopreservados. Mesmo depois do divórcio, Linda decidiu investir milhares de dólares todos os anos até encontrar casais dispostos a adotarem seus embriões.

Então, a Nightlight Christian Adoptions, uma agência cristã com mais de 60 anos de atuação, entrou em cena. A organização acredita que a vida começa na concepção e, por isso, atua para que embriões excedentes, como os de Linda, não sejam descartados. A instituição criou, em 1997, o programa Snowflakes, primeiro do mundo voltado exclusivamente à adoção de embriões, e que já resultou em mais de 1,4 mil nascimentos. Foi por meio do programa que o casal Lindsey, de 35 anos, e Tim Pierce, de 34, puderam adotar o embrião de Linda, que hoje tem 62 anos. 

O processo segue moldes semelhantes ao da adoção de crianças. A organização exige que os casais sejam legalmente casados há pelo menos dois anos.  A idade máxima é de 45 anos para mulheres e 50 para homens. Mulheres solteiras também podem se candidatar. A correspondência entre doadores e receptores pode ser personalizada: há casos com contato direto e envio de fotos das crianças nascidas, e outros em que o processo é conduzido inteiramente pela agência, sem troca de informações. 

Depois da seleção, a Nightlight envia os embriões para mais de 40 clínicas credenciadas em sua rede nos Estados Unidos (EUA). A organização aceita praticamente todos os embriões, independentemente do tempo de formação ou características genéticas. Em 2024, a taxa de sucesso gestacional foi de 59%, segundo a agência. “Estudos indicam uma taxa de sucesso maior na obtenção de gravidez com embriões congelados em comparação com embriões frescos”, afirma a organização. Em seu site, a Nightlight exibe uma galeria de fotos das crianças nascidas pelo programa. O grupo também compartilha histórias de sucesso de adoção de embriões em um canal no YouTube. Além disso, oferece apoio para casais que precisam de ajuda financeira para o processo. 

Outras instituições americanas operam com foco semelhante. Uma delas é a Embryos Alive, segunda mais antiga do segmento, fundada em 2003. A lista também inclui o National Embryo Donation Center (NEDC), que atua como centro sem fins lucrativos na intermediação entre doadores e receptores. 

No Brasil, 264 mil foram descartados nos últimos quatro anos 

No Brasil, não existe estrutura semelhante à dos Estados Unidos. Clínicas privadas acumulam a função de armazenar, intermediar e selecionar os embriões excedentes — sem coordenação nacional e com regulamentação fragmentada. O anonimato é obrigatório, e os casais não têm direito de conhecer o destino dos embriões doados. “Não há um sistema nacional, uma central de embriões como temos com órgãos ou sêmen”, diz o médico ginecologista Jonathas Borges, especialista em reprodução humana e um dos diretores técnicos do Projeto Alfa (Aliança de Laboratórios de Fertilização Assistida), em São Paulo. 

Com 11,2 mil embriões congelados em seu banco, o Projeto Alfa, criado em 2003, é uma das maiores referências em reprodução humana assistida do Brasil. Também é um dos poucos centros do país com histórico robusto em doação de embriões. Entre 2006 e 2022, realizou 511 ciclos de doação, que resultaram em 217 gestações e 95 nascimentos contabilizados — nem todos os nascimentos foram registrados porque parte das pacientes realizou apenas a transferência embrionária e seguiu o acompanhamento com outros especialistas. Mais da metade dos bebês nasceu com peso acima de 2,5 kg. E quase 70% dessas gestações atingiram pelo menos 37 semanas, dentro dos parâmetros considerados saudáveis. Os dados são de um estudo da própria instituição, que tem Borges como um dos autores. 

Entretanto, segundo Borges, o número de doações caiu drasticamente após a Resolução 2.320/22 do Conselho Federal de Medicina, que passou a permitir o descarte de embriões após três anos com a decisão dos pais genéticos. “Antes, era preciso autorização judicial. Agora, muitos preferem descartar a doar, porque é mais fácil e menos burocrático”, afirma. 

Além disso, mudanças de regras da Anvisa tornaram a doação praticamente inviável na maioria dos casos. A Resolução 771/2022 exige que os exames obrigatórios — como cariótipo, HIV, sífilis, hepatites B e C, clamídia e gonorreia — tenham sido feitos até 30 dias antes da coleta dos gametas. Isso impede que boa parte dos embriões congelados posteriormente seja doada. As exigências não são tão rigorosas para quem recorre à fertilização para uso próprio.

“O casal decide fazer FIV porque não está conseguindo engravidar”, lembra Borges. “Ele não está pensando em embrião excedente, em doar. Como parte desses exames não foram feitos antes, e não dá para fazer retroativamente, você tem um embrião que é potencialmente viável, mas que não se pode doar por uma questão regulatória.” Em 2024, o Projeto Alfa registrou apenas 28 doações de embriões, uma queda de cerca de 72% em relação à média anterior à resolução, de 100. “A fila por embriões existe, mas a oferta encolheu. A doação virou exceção”, afirma Borges.  

A incerteza se repete em todo o cenário nacional. Hoje, o Brasil tem 544.983 embriões congelados, segundo dados do sistema de registro da Anvisa atualizados até 2024. A maior parte, 68,41% (372,8 mil), no Sudeste; mais de 289 mil deles em São Paulo. Se a tendência dos anos anteriores se repetir, parte significativa desses embriões não irá resultar em uma gestação. Entre 2020 e 2024, 264.400 embriões foram descartados, 54.634 só em 2024. A produção total também desacelerou, com queda de 3,11% entre 2023 e 2024. 

Brasil não considera adoção como possibilidade

Outro obstáculo para a doação de embriões é o impacto emocional, tanto para quem doa como para quem recebe. “Poucos pacientes falam abertamente sobre isso. A maioria prefere não contar que usou embrião doado, e há um peso emocional real nessa decisão”, explica a ginecologista de São Paulo Adriana de Goés Soligo, especializada em reprodução humana. “A mulher que gesta não é a mãe genética. O casal precisa lidar com isso com cuidado e consciência”, diz ela. 

Do ponto de vista clínico, no entanto, a idade do embrião não interfere na gestação ou na saúde da criança. “O tempo que o embrião fica congelado não altera sua qualidade, desde que esteja bem preservado”, diz a médica. “Já tivemos casos com mais de 20 anos e tudo correu bem”, conta. 

Segundo Borges, há ainda uma vantagem nos embriões doados: “Esse embrião já veio de um ciclo bem-sucedido, de um casal fértil. Isso aumenta a confiança na qualidade e, muitas vezes, a taxa de sucesso é maior até do que com embriões novos de óvulos doados.” 

No Brasil, a doação de embriões não é considerada adoção, segundo o advogado Lourenço de Miranda Freire Neto, professor de Direito Médico e da Saúde na Universidade Mackenzie Alphaville. “Valerão, para definições inerentes à parentalidade, as normas que disciplinam a utilização das técnicas de reprodução assistida”, afirma. 

O professor ainda explica que o sigilo entre doadores e receptores é obrigatório, exceto em casos de parentesco até o quarto grau. Também não há previsão legal de que os filhos gerados por meio dessas técnicas tenham acesso à identidade dos doadores. “Em situações excepcionais, essas informações podem ser fornecidas aos médicos para eventual tratamento que exija o conhecimento das informações genéticas, mas sem que seja revelada a identidade civil do doador”, afirma. 

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