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Cuiaba - MT / 27 de julho de 2025 - 7:57

Declínio intelectual: por que os brasileiros estão mais arrogantes e menos inteligentes

O Brasil atravessa um momento crítico de declínio intelectual, marcado pelo empobrecimento do debate público, pelo encolhimento da tolerância com opiniões divergentes e por uma inquietante combinação de ignorância e soberba. Essa é a avaliação de diversos pensadores, acadêmicos e colunistas que publicaram textos sobre o tema na Gazeta do Povo. Eles denunciam a existência de uma espécie de “necrotério cultural” alimentado tanto por hábitos midiáticos empobrecidos quanto por mecanismos ideológicos que sufocam a liberdade de pensamento no país.

Em seu artigo intitulado “O burro soberbo: o que explica a decadência intelectual no Brasil”, o escritor Matheus Bazzo sugere que a ignorância atual não é humilde – ao contrário, ela se mascara de certeza e se impõe com arrogância. “O burro, o ignorante, é quase necessariamente soberbo”, afirma, explicando que essa postura nasce da ausência de dados e referências que permitiriam à pessoa compreender a complexidade da realidade.

Mas em vez de buscar o conhecimento, as pessoas frequentemente preferem defender “agressivamente seu microterritório cognitivo”, recorrendo a ataques e certezas inquestionáveis para preservar sua sensação de segurança, e tornando-se nada propensas a ouvir opiniões ou pontos de vista distintos.

Queda no QI e o fracasso cultural

Essa decadência apontada por Bazzo tem respaldo em dados científicos. Pesquisas conduzidas por Jakob Pietschnig e Martin Voracek, da Universidade de Viena, mostram que o Brasil foi o único país, entre 31 analisados, a apresentar queda consistente no quociente de inteligência (QI). Em Belo Horizonte, entre 1930 e 2004, o QI das crianças caiu em média 0,12 ponto por ano. Já em Porto Alegre, entre 1987 e 2005, a queda foi de 0,04 ponto anual. Para Bazzo, os números revelam não só o fracasso educacional, mas também uma mudança cultural que “privilegia o superficial em detrimento do profundo, o fácil em detrimento do complexo”.

Essa cultura se expressa, entre outras maneiras, na forma como consumimos informação. Programas de entretenimento raso, sem conteúdo, são apontados por Bazzo como exemplos da preferência nacional pelo que ele chama de “grandes peripécias cognitivas”. Ele retoma as teses do pensador Neil Postman, autor de Amusing Ourselves to Death (1985), para ilustrar como o discurso público foi transformado em espetáculo vazio, onde o que importa não é o conteúdo, mas a performance. “A gritaria, a pornografização de tudo” seriam os sintomas dessa “burrice midiática” que torna o entretenimento uma arma contra o pensamento.

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Intolerância ideológica e censura disfarçada

Mas a ignorância, alertam os especialistas, não anda sozinha – ela vem acompanhada de uma crescente intolerância. No artigo “O progressismo antiprogressista em que vivemos”, o jurista e pesquisador André Gonçalves Fernandes denuncia a corrosão da liberdade de expressão por meio de técnicas de envergonhamento (shaming) e de rotulagem (labeling), que associam qualquer pensamento fora do mainstream a rótulos como “fascista” ou “reacionário”. Segundo Fernandes, o progressismo contemporâneo rompeu com suas raízes iluministas e passou a impor um “império do pensamento único”, baseado em correções ideológicas que vão desde censura universitária até a criminalização simbólica de ideias divergentes.

Fernandes critica o uso de eufemismos como “linguagem de ódio” ou “alertas de conteúdo” como formas de excluir vozes dissonantes do debate público. Em vez de pluralidade, diz ele, o que se promove é uma cultura da homogeneização: “Sempre mais ovos terão de ser quebrados para que a maionese progressista possa ser terminada e servida” – uma metáfora que ilustra o autoritarismo subjacente à retórica igualitarista.

Humildade intelectual como resposta

Na contramão dessa intolerância, o filósofo e colunista Francisco Razzo, propõe um retorno à humildade intelectual como caminho para a reconstrução do saber. Em seu texto Uma espantosa ignorância, Razzo recupera o conceito de “douta ignorância”, cunhado por Nicolau de Cusa, que reconhece os limites do próprio conhecimento como ponto de partida para o aprendizado real. “É do reconhecimento dos nossos limites que nasce a busca por um saber genuíno construído em comunidade de diálogo”, escreve.

A “douta ignorância” de Razzo é um antídoto contra tanto o dogmatismo quanto o relativismo. O verdadeiro sábio – o único capaz de liderar uma regeneração cultural – não é o que grita mais alto ou cancela o oponente, mas aquele que compreende a complexidade do mundo, que evita julgamentos precipitados e que encontra paz justamente no reconhecimento de que “as verdades são cheias de nuances”.

Essa figura, o homem sábio, é central também na proposta de Bazzo para o enfrentamento da crise intelectual brasileira. Ele afirma que apenas a presença de pessoas verdadeiramente bem formadas poderá, “por contágio natural”, reverter o ciclo da decadência. “O sábio não teme o desconhecido. Age de forma criativa, ordeira, pacífica, sem arrogância”, resume.

Escutar é preciso: o alerta de Mill

Outro remédio para a ignorância e a soberba é apontado por Fernandes, que recorda o alerta clássico de John Stuart Mill:, que escreveu que “reconhecer a possibilidade de que alguém possa estar no erro é razão suficiente para escutá-lo e levá-lo a sério”. Ouvir e levar a sério quem pensa diferente é não apenas um dever democrático, mas uma salvaguarda contra o empobrecimento da razão.

A alternativa a isso, dizem os autores, é a “bovinidade de pensamento” – a submissão cega a ideias prontas, a morte da curiosidade, o fim do espírito crítico. Se o Brasil deseja sair do atual estado de “pobreza cultural” e recuperar a saúde de seu ecossistema intelectual, o caminho parece claro: será preciso reaprender a escutar, a debater e, sobretudo, a pensar, alertam os especialistas.

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Cuiaba - MT / 27 de julho de 2025 - 7:57

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