“Papai, por que você está de máscara em algumas fotos?”
Outro dia a Duda, 4 anos, me fez essa pergunta ao olhar as fotos no mural de casa. A resposta foi algo como “tinha um bichinho muito pequeno por aí e a gente tinha que se proteger“.
“Mas ainda tem o bichinho, papai?”
“Tem, filha, mas é por isso que a gente tomou vacina.”
“Ah, tá bom.”
Acho que passei no teste, por enquanto. Mas hoje, “aniversário” de 5 anos da pandemia de Covid-19, revi as fotos e me embrulhou o estômago. Estar grávido e depois cuidar de uma filha prematura e da esposa em duas UTIs diferentes, com outra filha adolescente trancada em casa, em meio ao medo permanente de morrer, é horrível –mas em nada se compara a quem perdeu pais, irmãos, filhos, tios, e nem pôde enterrá-los.
Na hora do desespero, o cérebro sempre busca alguma alegria, um consolo. O meu foi saber que a distância entre as duas UTIs que eu tinha que visitar todo dia era apenas 10 minutos de caminhada. “Vou poder ao menos sentir o sol direto na pele”, pensei. Mas logo veio o pavor de cruzar com gente sem máscara nas ruas. (Inclua seu palavrão preferido aqui)
Parece que faz tanto tempo, mas foi quase ontem.
20 de setembro do ano 1 da pandemia: a Duda nasceu. Prematura extrema, 31 semanas de gestação, foram 40 dias de UTI neonatal na Pro Matre.
26 de setembro do ano 1 da pandemia: a Isabela fez 14 anos. As idas sozinha de metrô pra escola tinham acabado, os amigos estavam isolados também. O primeiro caso perto de mim de Covid foi de um colega da escola dela.
29 de setembro do ano 1 da pandemia: a Paty sente a dor absurda da dissecção na aorta. Cirurgia de seis horas, daquelas em que tiram o coração do corpo e o sangue passa pela máquina, mais oito dias em coma no Oswaldo Cruz e outros oito internada em recuperação.
Se fossem quatro meses depois, as duas teriam morrido sem oxigênio nos hospitais. Lembra? Brasileiros morreram por falta de oxigênio. Parentes, amigos.
São as histórias da pandemia. Infelizmente, cada um tem as suas, muitas com final trágico.
Cinco anos depois, eu chorei. Mas posso ao menos celebrar a minha família. A Marcela, a Meire, o Caio e milhares de outros brasileiros não podem.
Nós todos que sobrevivemos a isso merecemos os parabéns. Mas nunca nos esqueceremos. A Duda vai crescer e entender melhor por que tivemos de usar máscara, tomar vacina, usar álcool em gel, lavar as mãos sempre. E entender por que alguns amiguinhos dela não terão pai ou mãe, vítimas da pandemia.