Assimilar, validar, corroborar e verificar. Estes são os princípios que o filósofo americano William James propôs para determinar o que é ou não verdadeiro. Como muitos pensadores antes dele, James reconheceu que, à primeira vista, a verdade parece binária, classificada apenas em verdadeiro ou falso. Mas sua visão pragmática traz algumas camadas a mais para essa simplicidade, sugerindo que a verdade é mais bem entendida por seus efeitos práticos do que por classificações absolutas. Em suas próprias palavras: “Ideias verdadeiras são aquelas que conseguimos assimilar, validar, corroborar e verificar. Ideias falsas são aquelas que não conseguimos.”
Esse pode ser um ponto de partida benéfico no atual cenário da pós-verdade, em que discussões são baseadas principalmente em crenças, a comunicação é falha e até a ciência é negada. Temos uma necessidade urgente de adotar um comprometimento geral com a investigação metodológica, especialmente uma que envolva não somente a averiguação, mas também uma comunicação mais honesta e clara.
Diferentemente de tradições filosóficas que tratam a verdade como um espelho objetivo da realidade, o pragmatismo de James define a questão em termos daquilo que é útil e verificável dentro da experiência vivida. Nesse sentido, devemos checar se nossas proposições são correspondentes ao que acontece na realidade ou com aquilo que é considerado verdadeiro em determinado campo de conhecimento. A investigação se torna o fundamento para descobrir a verdade.
Mal-entendidos sobre “o que funciona” no pragmatismo
Como um dos principais detratores do método pragmático, o filósofo Bertrand Russell alegava que o conceito de James “assume que uma crença é ‘verdade’ quando seus efeitos são bons”. Em sua obra História da Filosofia Ocidental, o britânico ironizou o americano com uma frase espirituosa: “Sempre achei que a hipótese da existência do Papai Noel ‘funciona satisfatoriamente no sentido amplo da palavra’; portanto, dizer que o ‘Papai Noel existe’ é verdade, embora o Papai Noel não exista.”
Com a intenção de questionar as crenças religiosas de James, Russell implicava que o pragmatismo poderia levar ao relativismo, reduzindo a verdade a qualquer coisa que funcione a um indivíduo ou grupo. Sua preocupação era que tal visão tornasse a verdade muito subjetiva, desconexa de qualquer realidade fixada. Mas, como o filósofo John Kaag recentemente apontou, a crítica de Russell ignora a explicação de James sobre “o que funciona”.
Enquanto críticos como Russell temiam que o pragmatismo reduzisse a verdade a ilusões reconfortantes, James era claro: “o que funciona” refere-se não à autoafirmação, mas a consequências compartilhadas, testadas e contínuas no mundo real.
“A verdade como o que funciona” não é simplesmente sobre o quão confortável uma ideia é para a mente. Na prática, o método pragmático está mais alinhado com o método científico e é baseado no que acontece no mundo empírico. Assim como a ciência, reivindicações filosóficas e teorias da verdade deveriam ser abertas à revisão e melhoradas com base em novas descobertas.
Investigação, evidência e evolução da verdade
A discussão sobre o formato da Terra exemplifica o funcionamento do método pragmático. Apesar de pessoas como Eratóstenes defenderem que a Terra é redonda desde antes da Era Comum, só tivemos evidências firmes disso quando Fernão de Magalhães realizou sua expedição no século 16.
Ou seja, foi somente com a investigação primordial de Eratóstenes, depois confirmada pela viagem de Magalhães, que nós conseguimos avançar coletivamente, refinando tanto nosso conhecimento quanto nossa concepção sobre o que é verdade acerca do formato da Terra.
Isso revela como nem todas as ideias são verdadeiras, somente aquelas que sobrevivem ao teste da experiência. A realidade testa nossas crenças e nosso entendimento evolui concomitantemente, com investigação, evidência e constante reinterpretação. Ou seja, acreditar que a Terra é redonda jamais seria suficiente; para essa crença se tornar verdade, ela precisou ser testada socialmente e coletivamente.
Outra qualidade da perspectiva pragmática que deve ser notada é que alguns aspectos da realidade nos são dados como algo imediato ou empiricamente inegável. Podemos concordar de bate-pronto, por exemplo, na presença de um objeto tangível como o que chamamos de “árvore”. Sua existência é um fato, algo que não está atrelado à verdade ou à falsidade. Mas é inegável que nosso conceito do que é uma “árvore” pode ser aprimorado quando examinado pelas lentes da genética, da taxonomia e de sistemas ecológicos.
Portanto, aquilo que parece indiscutível, de certa forma, se torna o começo para atingirmos verdades mais ricas e matizadas. E isso só é revelado pela investigação prática contínua.
Esse comprometimento com o aperfeiçoamento constante é também central para a abordagem pragmática: a verdade sempre estará ancorada à realidade, mas se mantém dinâmica e aberta a melhores descrições por meio da investigação.
Linguagem, cognição e os limites do entendimento
Essa investigação constante, importante como é, nunca será um processo neutro ou puramente objetivo. Ela é inerentemente formatada por nossas capacidades cognitivas, contextos históricos e pela própria linguagem. Nossa habilidade de compreender e articular a verdade é contida pelas estruturas cognitivas e linguísticas disponíveis para nós.
Como defende o psicólogo canadense Jordan Peterson no ensaio The Meaning of Meaning, os humanos simplificam a realidade para sobreviver, quebrando-a em partes palatáveis por meio da comunicação. Essa característica evolutiva sugere que somos biologicamente incapazes de absorver toda a complexidade da realidade de uma vez só.
Nós precisamos dividir e nomear o mundo para extrair sentido dele, algo feito usualmente pela linguagem. Aqui, o conceito de jogos de linguagem do alemão Ludwig Wittgenstein traz uma camada filosófica crucial para essa característica do ser. Cada jogo de linguagem, seja ele científico, filosófico, jurídico ou cotidiano, estabelece suas próprias regras, contextos e expectativas. Esses exemplos não representam apenas diferentes estilos de comunicação, mas também diferentes modelos em que significado e verdade surgem.
Em seu trabalho posterior, Investigações Filosóficas, Wittgenstein argumentava que “o sentido de uma palavra é seu uso na linguagem”. A partir dessa perspectiva, as palavras não são somente ferramentas para descrição do mundo, mas elementos que criam sentido pelo próprio uso e contexto.
Ou seja, nossos jogos de linguagem são moldados pelas formas de viver em que participamos, implicando que a verdade não está isolada em proposições abstratas, mas presente em práticas sociais e entendimentos compartilhados.
Isso ressoa poderosamente com a ideia de Charles Sanders Peirce, que fundou o pragmatismo, especialmente com sua ideia de que “o significado de uma coisa é definido simplesmente pelos hábitos que a envolvem”.
Considerando que o significado é definido por suas consequências práticas e pelas ações em que resulta, então infere-se que a verdade depende menos de definições fixas e mais de como nossos conceitos funcionam na prática. Nessa perspectiva, a verdade é profundamente inseparável dos contextos práticos e comunicacionais em que é operada.
Comunicação como chave para uma verdade coletiva
Se, como Peirce defendeu, o significado mora no hábito que uma ideia gera, então uma questão central surge: que hábitos comunicacionais nos levam mais próximos de um entendimento compartilhado? Essa pergunta ganha ainda mais relevância quando consideramos o fenômeno das teorias da conspiração em nosso cenário contemporâneo.
Até mesmo a verdade definida sobre o formato da Terra, antes um triunfo coletivo da investigação e verificação empírica, é frequentemente negada por terraplanistas. De acordo com um estudo publicado pela Associação Americana de Psicologia, esse tipo de comportamento surge de motivos epistêmicos, existenciais e sociais. E todos eles existem por conta dos limites em nossa cognição e comunicação.
Ao unir isso com as perspectivas de Peirce e Wittgenstein, é possível argumentar que nossa própria bússola para distinguir “verdadeiro” e “falso” é limitada por linguagem e comunicação. Se uma pessoa não está familiarizada com o método científico (ou pragmático), como ela poderá realmente compreender as complexas teias de teorias, experimentos e evidências por trás de uma ideia como o formato redondo da Terra?
É como se vivêssemos na história bíblica da Torre de Babel, impedidos de avançar juntos por conta dos muitos jogos de linguagem que acontecem simultaneamente.
Essa crise de falha na comunicação também aumenta quando nossas formas de falar e pensar se tornam mediadas por tecnologias como as redes sociais e a inteligência artificial (IA). Uma pesquisa recente do MIT sobre o ChatGPT, por exemplo, revelou que assistentes de IA levam nossos cérebros ao acúmulo de débito cognitivo, enfraquecendo o nosso pensamento crítico.
E isso pode resultar em um colapso do processo pelo qual coletivamente estabelecemos, contestamos e refinamos teorias sobre a verdade. Então, qual deveria ser nosso próximo passo? E como o método pragmático pode ser melhorado para nos ajudar?
Mesmo que soem utópicas, poderíamos pegar ideias do filósofo alemão Jürgen Habermas. Inspirado por Peirce, ele foi além do clássico método pragmático e propôs algo chamado de “ação comunicativa”. Habermas defende que o entendimento genuíno e o consenso legítimo podem originar da comunicação objetivada à compreensão mútua. Ou, como o próprio coloca, “a comunicação racional é expressa pela força unificadora do discurso orientado a atingir o entendimento, o que assegura que os oradores participantes tenham um mundo da vida intersubjetivamente compartilhado”.
Se aceitarmos a linguagem e a comunicação como mediadores entre nossas mentes e a realidade, então refinar nossas práticas comunicacionais é vital para abordar a verdade. Isso inclui o reconhecimento do valor inerente às barreiras disciplinares (sejam elas biologia, física ou filosofia), além do respeito à investigação em cada campo de especialização.
As segmentações do conhecimento não são uma barreira para compartilhar entendimento, mas sim a estrutura pela qual a humanidade é capaz de progredir. É isso que permite o desenvolvimento de ideias profundas que, no final das contas, contribuem ainda mais para uma verdade compreensível e coletiva.
Nenhum indivíduo sozinho pode representar o mundo confiando somente na intuição. Então, devemos tentar ser mais abertos a discussões saudáveis, entendendo nossas limitações e segmentações do conhecimento. Esse comprometimento com o discurso racional alinha-se poderosamente com o método pragmático.
Assim como o pragmatismo insiste que “o que funciona” se refere às consequências compartilhadas, testadas e intermitentes do mundo real, Habermas oferece um normativo ideal para o processo comunicacional, em que essas consequências são estabelecidas e verificadas coletivamente.
Ambas as ideias filosóficas oferecem um antídoto robusto para o caos epistemológico da pós-verdade: um compromisso incansável com a investigação, validado por meio de uma comunicação aberta, honesta e mutuamente respeitosa, em que a busca pela verdade é um esforço coletivo e discursivo. Nessa perspectiva, resgatar a investigação significa não apenas investigar o mundo, mas promover ativamente as condições comunicativas necessárias para que a compreensão compartilhada realmente emerja.
Erich Thomas Mafra é jornalista, pós-graduando de Literatura, Artes e Filosofia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Em 2025, participou do curso Truth in an Age of Disinformation, ministrado na Universidade de Oxford, onde estudou teorias sobre a verdade e dedicou seus estudos ao pragmatismo.