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Cuiaba - MT / 27 de julho de 2025 - 12:17

Brasil é a única democracia onde a regulação das redes partiu do Judiciário 

O controle das redes sociais já funciona em alguns países, mas em nenhuma das grandes democracias a decisão pelo monitoramento partiu do Judiciário.

No Brasil, os ministros não só julgam, como criam e executam as leis, assumindo o lugar do Legislativo e Executivo.

Mais democracia em países autoritários

Na Austrália e União Europeia as regras foram implementadas por meio de projetos de lei. Dos países com regimes democráticos, a Alemanha foi o primeiro a censurar conteúdos, por meio da Lei de Aplicação em Redes (NetzDG), de 2018.

Até mesmo em governos autoritários o controle das redes sociais foi mais “democrático”. Na Turquia, as leis contra “notícias falsas” foram aprovadas pelo Parlamento; na Rússia, pelo Conselho da Federação, que equivale ao Congresso.

Na Venezuela, a Assembleia Constituinte, cuja base é governista, aprovou a “Lei Constitucional contra o Ódio”. Com base neste decreto, uma jovem foi condenada a 10 anos de prisão por criticar um programa estatal: “Que ruim que uma pessoa dependa de uma bolsa”, foi a frase que motivou sua sentença.

“A NetzDG foi aprovada pelo Congresso na Alemanha, e não pela Suprema Corte. Em nenhuma outra democracia a mudança foi aprovada pelo Judiciário”, diz o jurista e especialista em liberdade de expressão André Marsiglia.

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Já existe regulamentação para a internet

A lei do Marco Civil da Internet está em vigor desde 2014 e estabelece as regras para o espaço virtual no Brasil. A maioria do Supremo Tribunal Federal, no entanto, considerou que a lei estava defasada e votou por mudanças no seu artigo 19.

Os ministros decidiram que as plataformas digitais são obrigadas a remover previamente os conteúdos classificados como “condutas antidemocráticas”, mesmo sem ordem judicial.

André Mendonça, Edson Fachin e Kassio Nunes Marques defenderam que o tema deveria ser regulamentado pelo Congresso e não pelo Judiciário, mas foram minoria.

“Quem deveria mudar regras é o Congresso, e não o STF. Tomar a função do Congresso é abusivo e excessivo da parte deles. O Congresso já tinha entendido que as regras existentes eram suficientes”, diz Marsiglia.

Para a defensora pública do Distrito Federal Bianca Cobucci Rosière, estas mudanças além de vir de quem propõe as leis, deveriam ser debatidas com a sociedade, especialistas, se embasar em estudos.

“Como demanda um processo democrático, e não dessa forma com oito pessoas decidindo. Quem está no Congresso foi eleito. No Judiciário, não”, diz ela, que também é autora do livro 8 de Janeiro e o Direito Penal do Inimigo.

Veja como as regras sobre redes sociais foram definidas nas principais democracias:

Brasil

Em 2025, o STF decidiu responsabilizar também as plataformas pelas publicações dos usuários, o que deve aumentar o controle das postagens. Antes, isso só aconteciam se não cumprissem ordem judicial.

Alexandre de Moraes, ministro do STF, disse em seu voto sobre o artigo 19: “a falência da autorregulação das redes sociais é que fez exatamente com que nós tenhamos que julgar isso nessas sessões”. Ele já suspendeu contas e perfis no X, YouTube e Telegram.

O STF também argumenta que os acontecimentos do 8 de janeiro de 2023 tornam o aumento da fiscalização de “discursos de ódio ou antidemocráticos” nas redes sociais necessário.

Além do Marco Civil da Internet, o Brasil tentou emplacar o projeto de Lei 2630/2020 – conhecido como PL das Fake News. O tema foi aprovado no Senado e está em análise na Câmara dos Deputados desde 2020.

STF iluminado de vermelho em homenagem ao Dia Mundial da Doação de Sangue (Foto: Antonio Augusto/STF)

Alemanha

Foi o primeiro país a criar uma lei de fiscalização das redes sociais, a Neztdurchsetzungsgesetz (NetzDG). Ela começou a operar em 2018 para “combater o discurso de ódio” no país e é citada pelo ministro Gilmar Mendes como exemplo de regulação.

O modelo também funciona como uma “censura terceirizada”. Ou seja, as plataformas são as responsáveis por controlar o conteúdo e remover o que for “claramente ilegal” em até 24 horas, ou material não explícito em até sete dias (tempo de análise). As multas podem por descumprimento podem chegar a 50 milhões de euros.

União Europeia

A Digital Services Act (DSA ou Lei de Serviços Digitais) da União Europeia foi inspirado no NetzDG e implementada em 2022 com a mesma justificativa de regular conteúdos nocivos na internet. O DSA foi amplamente usado como referência no PL das Fake News. Em breve, deve substituir o NetzDG na Alemanha.

Um estudo realizado em 2024 pela organização The Future of Free Speech (O futuro da liberdade de expressão, em português) mostrou que entre 87,5% e 99,7% do conteúdo removido das maiores páginas do Facebook e Youtube era legal. O levantamento apontou, ainda, que 56% dos comentários removidos eram expressões gerais de opinião sem ataques linguísticos ou discurso de ódio.

Reino Unido e França

Apesar do DAS, os governos do Reino Unido e da França vêm desenvolvendo um plano conjunto, segundo a organização de direitos humanos Human Rights Watch. O objetivo é identificar e excluir os conteúdos que as autoridades considerem de cunho terrorista ou de ódio. O sistema seria o mesmo usado na Alemanha e implementado agora no Brasil: a remoção prévia feita pelas plataformas.

Austrália

O Parlamento Australiano aprovou o “Online Safety Act de 2021” para estabelecer as regras de uso da internet no país. O foco são conteúdos prejudiciais, como o compartilhamento de imagens íntimas sem consentimento, material violento, assim como abuso e bullying cibernético.

A lei deles exige que os provedores de serviços online garantam medidas tecnológicas para impedir o acesso de crianças e desenvolvam mecanismos claros e facilmente identificáveis que permitam aos usuários finais relatar e fazer reclamações sobre material de cyberbullying, entre outras.

Ministros do STF decidiram aumentar o controle dos conteúdos publicados nas redes sociais no Brasil (Foto: Ton Molina/STF)

Canadá

No Canadá, está em discussão o projeto de Lei Bill C-63, conhecido como Lei de Danos Online, que propõe obrigar plataformas digitais a removerem conteúdos como discurso de ódio em até 24 horas após notificação, sob pena de multas altas.

A lei também criaria a Comissão de Segurança Digital, um órgão com poderes amplos para monitorar e punir infrações. O projeto ainda não foi aprovado, mas já foi apresentado ao Parlamento e passou pela primeira leitura. Ainda precisa passar por outras etapas no processo legislativo.

Rússia

Em julho, o partido governista Rússia Unida apresentou à Duma Estatal (parlamento russo) dois projetos de lei com o objetivo de regulamentar o conteúdo online. Um dos projetos, inspirado na lei NetzDG, exige que as grandes plataformas removam, em até 24 horas após uma denúncia, conteúdos considerados ilegais. Por exemplo, material que incite ódio nacional, racial ou religioso, ou ainda que viole a lei administrativa ou criminal.

O outro projeto de lei estabelece multas pesadas para a não remoção de conteúdo ilegal: entre 3 a 5 milhões de rublos (R$ 294 mil a R$ 491 mil) para indivíduos, e de 30 a 50 milhões de rublos (R$ 2,9 milhões a R$ 4, 91 milhões) para empresas. Atualmente, o primeiro projeto de lei está na fase inicial de audiência, enquanto o segundo ainda está em revisão.

Venezuela

Na Venezuela vigora desde 2017 a Lei Anti-Ódio para a Coexistência Pacífica e a Tolerância. Mesmo com severas restrições à liberdade de expressão, a norma foi promulgada por meio de uma Assembleia Constituinte pró-governo.

Entre as disposições da lei, está a imposição de altas multas a plataformas de redes sociais que não removerem, em até seis horas após a publicação, conteúdos que “constituam propaganda que defenda a guerra ou o ódio nacional, racial, religioso, político ou de qualquer outro tipo”.

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