Tim Walz, ex-candidato a vice na chapa democrata derrotada, provocou surpresa na semana passada ao afirmar que a China poderia ser “a única potência global capaz de mediar a paz entre Israel e Irã“. Feita em um evento do Center for American Progress, a declaração parecia desviar o centro da diplomacia dos Estados Unidos para Pequim e provocou desconforto em Washington. Seria, porém, despropositada?
A China tem tentado projetar uma imagem de potência pacificadora. O exemplo mais citado é a reaproximação entre Irã e Arábia Saudita, em 2023, conduzida sob os auspícios de Xi Jinping. O gesto serviu de vitrine para uma política externa que se apresenta como alternativa ao modelo intervencionista ocidental. Mas mediar entre Teerã e Tel Aviv é um desafio de outra ordem, muito mais sensível e complexo.
A diplomacia chinesa mantém relações com os dois países, ainda que em registros muito distintos. Com Israel, há uma longa cooperação em inovação, tecnologia e comércio. Empresas chinesas investiram pesado no setor de infraestrutura israelense, e o comércio bilateral superou US$ 10 bilhões na última década. O vínculo, no entanto, sofreu um baque após os ataques do Hamas em outubro de 2023. A falta de uma condenação clara por parte de Pequim e o tom crítico contra as operações israelenses em Gaza foram mal recebidos em Tel Aviv.
Com o Irã, o quadro é outro. Trata-se de um parceiro estratégico em várias frentes. Além do acordo de US$ 400 bilhões para investimentos em energia e infraestrutura, há cooperação militar, apoio diplomático constante e mecanismos para contornar sanções ocidentais. Para Teerã, a China é um contrapeso indispensável à pressão americana. Para Pequim, o Irã é peça importante em sua Iniciativa do Cinturão e Rota e na estabilidade energética.
China, terra do meio
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Esse duplo alinhamento impõe limites à atuação chinesa como mediadora. A imagem de neutralidade que Pequim tenta preservar já está desgastada aos olhos de Israel. Mesmo mantendo canais diplomáticos ativos com ambos os lados, a China é hoje percebida como mais próxima de Teerã, o que compromete sua credibilidade como árbitro imparcial.
Além disso, há um obstáculo estrutural. A política externa chinesa é, por natureza, cautelosa, baseada no princípio da não-interferência, e evita protagonismo direto em conflitos onde o fracasso possa gerar perda de prestígio. Nessa tradição diplomática, “perder a face” pesa mais do que a oportunidade de exercer liderança (e mesmo no caso saudita-iraniano, Pequim só entrou em cena quando as bases do acordo já estavam adiantadas).
A China pode até ter papel relevante para evitar uma escalada entre Irã e Israel e atuar nos bastidores, ajudando a frear ações mais agressivas do lado iraniano, mas isso é diferente de liderar uma negociação de paz formal. A estrutura da política externa chinesa não está desenhada para esse tipo de envolvimento direto, ainda mais em um conflito que envolve questões identitárias, religiosas e históricas profundas.
A fala de Walz espelha uma sensação crescente nos Estados Unidos: a de que sua capacidade de moldar sozinho os rumos do Oriente Médio está em declínio. Mas substituir Washington por Pequim como força estabilizadora é outra história.
Se quiser projetar influência duradoura no Oriente Médio, Pequim terá de assumir riscos que até agora evitou. E isso exigirá mais do que discursos ou gestos simbólicos —exigirá escolher lados, aceitar derrotas e, acima de tudo, abrir mão do conforto estratégico da ambiguidade.
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