Uma pesquisa recente publicada na revista Nature mostrou que a identificação de mudanças nos níveis de ferro em regiões específicas do cérebro pode ajudar no diagnóstico precoce da doença de Parkinson. Segundo o estudo, a descoberta pode representar um passo crucial nas terapias de tratamento da doença, que atualmente não tem cura.
Atualmente, o diagnóstico da doença de Parkinson é um desafio para a medicina. A condição é a segunda doença neurodegenerativa progressiva mais comum, atrás apenas da demência de Alzheimer. Ela afeta cerca de 2% da população mundial e causa sintomas motores, como tremores nas mãos e dificuldades de locomoção.
Além da dificuldade no diagnóstico, a detecção da doença muitas vezes vem tarde demais: no momento em que o Parkinson é identificado, a quantidade de neurônios afetados pela geralmente é muito grande. Por isso, os cientistas ainda buscam meios de diagnosticar o Parkinson de forma precoce.
O que diz o estudo
Para chegarem ao resultado relatado na Nature, os pesquisadores submeteram pacientes diagnosticados com Parkinson a exames avançados de ressonância magnética. Além desse grupo, foram estudados grupos de pessoas saudáveis, como controle da pesquisa, e outros pacientes com uma doença conhecida como Transtorno Comportamental do Sono REM Idiopático, considerada uma forma precursora da doença neurodegenerativa.
A ligação entre o ferro e a neurodegeneração é um campo de estudo importante. Embora o ferro seja vital para as células, seu acúmulo anormal é associado à ocorrência de doenças neurológicas. Medir os níveis de ferro no cérebro pode ajudar a identificar pacientes em risco de desenvolver Parkinson, aqueles que já converteram para a doença ou estão progredindo. A condição, porém, não é exclusiva.
“No processo de morte celular acabam ocorrendo várias alterações metabólicas. Em alguns casos há acúmulo de ferro. E isso não acontece só nos neurônios, mas também em outras partes do corpo. É o caso de doenças geneticamente ligadas ao metabolismo do ferro, o que é algo extremamente raro”, explica o neurologista Francisco Manuel Branco Germiniani, um dos responsáveis pelo grupo de estudos de Distúrbios de Movimento no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Em entrevista à Gazeta do Povo, ele destacou a importância deste tipo de estudo, que tem potencial para ajudar a criar protocolos de aplicação clínica prática no diagnóstico de Parkinson. Segundo o especialista, hoje é comum um longo período entre o aparecimento dos primeiros sintomas e o diagnóstico fechado da doença.
Para Germiniani, os principais sinais hoje observados como precursores da doença são casos associados de prisão de ventre, perda de olfato sem causa definida e distúrbios de sono nos quais os pacientes se movem em demasia enquanto dormem.
“Esse transtorno do sono é caracterizado pela experiência de que o paciente realmente vivenciou, de forma nítida, o sonho com direito a muitos movimentos. Não é todo mundo que tem esse distúrbio que vai ter Parkinson, assim como a prisão de ventre de forma isolada. Mas são sinais que costumam aparecer até 20 anos antes do diagnóstico”, revelou.
Para contornar resultados inconsistentes obtidos em estudos anteriores, os pesquisadores usaram uma metodologia mais precisa. Com uma técnica refinada de ressonância, o Mapeamento Quantitativo de Suscetibilidade, e uma espécie de mapa cerebral em altíssima resolução, foi possível medir os níveis de ferro em regiões extremamente delimitadas do cérebro dos pacientes.
Os resultados revelaram padrões distintos de concentração de ferro nessas regiões de acordo com o estágio da doença. Em uma delas, tanto os pacientes diagnosticados com Parkinson quanto aqueles com distúrbios de sono mostraram um acúmulo maior de ferro do que em pacientes saudáveis, o que tem potencial para ser um marcador precoce da neurodegeneração.
Como resultado, os estudos apontaram que em 84% dos casos foi possível identificar diferenças significativas entre pacientes saudáveis e aqueles com distúrbios do sono. Em outra análise, a identificação dessas diferenças entre pacientes saudáveis e aqueles com Parkinson foi ainda mais significativa, com 86% de precisão. Na prática, isso permitiria, em um futuro próximo, a adoção de tratamentos precoces nesses pacientes, com potencial para atrasar os danos neurológicos.
Ainda assim, os pesquisadores alertam que, como todo estudo científico, os dados precisam passar por revisão e novos estudos precisam replicar os resultados em grupos maiores de pacientes. “Isso funciona como uma porta de entrada. É um longo caminho que precisa ser percorrido até que se encontre a saída, ou a utilização clínica desses protocolos”, ponderou Germiniani.