Robert Garcia, 34, e Gustavo Rezende, 33, sempre souberam que queriam ser pais, mas não sabiam como. Quando se conheceram, ainda na faculdade de engenharia civil, ambos namoravam mulheres e brincavam que no futuro seriam vizinhos e que seus filhos brincariam juntos.
O que talvez não imaginassem é que, quando esse futuro chegasse, eles teriam se apaixonado, casado, e gestado um casal de gêmeos por meio de uma barriga solidária. Tudo poderia parecer distante para o jovem casal que ficou junto pela primeira vez na universidade, já que, na época, em 2011, nem o casamento civil nem a adoção, muito menos a gestação por barriga solidária eram permitidos para casais homoafetivos
Mesmo sem perspectivas reais, eles sonhavam em ter filhos que fossem a mistura genética dos dois, e isso seria possível com a doação do óvulo da irmã do Gustavo e o sêmen do Robert. Com o passar dos anos e as diversas conquistas para a comunidade LGBTQIAPN+, como o casamento em 2011, a reprodução assistida em 2013 e a adoção em 2015, eles começaram a investigar se alguém próximo cederia o útero para gestar o filho dos dois.
No Brasil, não há uma legislação específica sobre reprodução assistida, então quem define as regras para a gestação de reprodução assistida é o Conselho Federal de Medicina (CFM). A última resolução, publicada em 2022, indica que a doação de gametas e a cessão do útero não deve ter caráter lucrativo ou comercial; a doadora deve ser ou desconhecida do casal ou ter um parentesco de até quarto grau, com no máximo 37 anos.
“Uma barriga solidária no Brasil que não seja nessas condições tem que pedir autorização para o Conselho Federal de Medicina para ver se abre uma exceção, se autoriza, quando o casal não tem ninguém que preencha os critérios ali para ser a barriga solidária deles” diz Rodrigo Rosa, ginecologista especialista em reprodução humana e membro da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA).
Washington Fonseca, especialista em direito médico e sócio do Fonseca Moreti Advogados, explica que aqui se chama de barriga solidária, e não de aluguel, por ser considerado um ato altruísta, proibido de ser cobrado de alguma forma, para evitar o comércio em torno da questão.
Isso faz com que o procedimento seja mais barato do que nos Estados Unidos, por exemplo, país que é muito procurado por casais em busca de barrigas de aluguel. Fonseca diz que lá, além de arcar com os honorários médicos —mais caros que no Brasil— a gestante pode cobrar pelo empréstimo do útero. Além disso, há as questões legais de documentação e cidadania, que diferem de país para país.
Robert e Gustavo estavam decididos a encarar o processo em solo nacional. “Eu já estava tentando, meio que na piada, com vários parentes. Tipo, ‘ah, será que algum dia você vai querer ser a nossa barriga solidária, não?’”, conta Robert, que diz que se percebia que a pessoa não queria, descartava a possibilidade e desconversava. Mas, para a surpresa de ambos, uma prima do Gustavo se prontificou na hora, dizendo que adoraria ajudar a construir esse sonho.
Assim, em 2022, Robert e Gustavo, com a doação do óvulo da irmã do Gustavo e a cessão do útero da prima, começaram o processo de se tornarem pais.
“É fundamental que as partes celebrem um contrato para fazer a prova de que foi pactuado, caso a gestante venha a não querer entregar a criança após o nascimento”, afirma o advogado. A documentação é importante para caso os pais tenham que enfrentar uma disputa judicial no futuro.
Por se tratar de acordo entre particulares, não há dados consolidados sobre número de barrigas solidárias a casais homoafetivos.
Robert conta que se sentiram engravidando por acidente, com a rapidez do processo. “Em 20 dias estávamos na clínica preparando a barriga solidária para receber os embriões, em outros 20 tínhamos feito a transferência e em poucos dias tínhamos um positivo para a gravidez. Foi incrível, a gente não acreditava.”
Como manda a resolução, o casal deve ter o compromisso com o acompanhamento médico da mulher que estiver cedendo temporariamente o útero, até o puerpério. Rosa explica que toda gestação tem um risco, e até por isso a pessoa que se apresenta como barriga solidária deve estar em boas condições de saúde, para não aumentar esse risco.
Gustavo e Robert fizeram questão de estarem presentes durante toda a gestação, nos exames e consultas, e principalmente na hora o parto. Eles tiveram um casal de gêmeos, o Marc e a Maya, hoje com três anos. Assim que nasceram, os bebês foram para o colo dos pais, para o contato pele a pele na primeira hora de vida, que é importante para o vínculo afetivo.
Como um casal homoafetivo, Gustavo e Robert sentiram o preconceito em várias etapas da paternidade. Gustavo diz que quando contaram para as pessoas que queriam ser pais, foi uma “segunda saída do armário”. E não foram apenas amigos e parentes que não se adaptaram à ideia de primeira, mas a própria comunidade LGBTQIAPN+.
Outro momento em que o casal sentiu o despreparo das pessoas para acolher outras formulações de família, que não a heteronormativa, foi no contexto médico. Houve vezes, no início, em que era permitida a entrada de apenas um dos pais, junto com a gestante, nos exames. Eles buscaram as ouvidorias, e conseguiram mudar isso não apenas para si, mas para os próximos casais.
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O psicólogo Matheus Wada Santos, psicanalista especialista em gênero e sexualidade pelo Instituto Sedes Sapientiae, diz que quando um casal homoafetivo tem um filho, ele adentra um núcleo tradicional da família, que força a ressignificação dessa tradição. “Desconstruir esse padrão de família é um movimento de contracultura, no sentido que é uma defesa da comunidade, que foi expulsa desse lugar de filho ou pai, devido ao preconceito.”
O psicólogo também pontua que, de dez anos para cá, as pessoas estão mais abertas a outros modelos de família, com as novas gerações. “A psicologia sabe que o pai é quem ensina a noção de mundo, quem ajuda a criança a criar uma identidade, apresenta as regras do mundo, dá segurança e cuidado. O modelo de dois pais, assim como duas mães, é muito válido.”