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Cuiaba - MT / 27 de julho de 2025 - 13:08

Conheça o Baader-Meinhof, o grupo terrorista alemão que se inspirou em Marighella

Ao longo das quatro décadas em que a Alemanha esteve dividida em duas, a partir de 1949, pelo menos quatro milhões de pessoas fugiram do lado oriental, comunista, para o ocidental capitalista, de acordo com estimativas da Berlin Wall Foundation. Boa parte deste fluxo migratório ocorreu antes de 1961, quando foi inaugurado o Muro de Berlim, o que sugere que, sem a decisão de segregar a cidade, o número poderia ter sido muito maior.

A quantidade de fugitivos é expressivo. Ainda mais quando se considera que, no início da década de 1960, 17 milhões de pessoas viviam no lado dominado pela União Soviética. As cenas de euforia dos alemães orientais atravessando a cidade assim que o muro foi derrubado, em 9 de novembro de 1989, representam um registro inquestionável do quanto a vida no lado comunista era restrita – e monitorada de perto.

Mesmo assim, a partir de meados da década de 1960, um grupo terrorista de extrema-esquerda pegou em armas para atacar o lado ocidental, que considerava fascista. Trata-se do Baader–Meinhof, ou Facção do Exército Vermelho (RAF, sigla para o nome original Rote Armee Fraktion), uma organização que praticou assassinatos, atentados a bomba e sequestros, com pelo menos 30 vítimas fatais – ações justificadas a pretexto de combater o sistema considerado imperialista, ainda que em muitos casos as vítimas fossem civis inocentes, como motoristas ou guarda-costas. As ações prosseguiram até 1998, oito anos depois da reunificação da Alemanha.

A lista de vítimas fatais, acumuladas em diferentes momentos da trajetória da organização, inclui os nomes do CEO do banco Dresdner, Jürgen Ponto; do empresário Hanns Martin Schleyer, sequestrado e posteriormente executado; do chairman do Deutsche Bank, Alfred Herrhausen; do presidente da Siemens, Karl Heinz Beckurts e do procurador-geral Siegfried Buback, além do general norte-americano Alexander Haig, ex-chefe de Gabinete da Casa Branca e então comandante da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

“A Baader-Meinhof foi o primeiro grupo na Alemanha Ocidental a se organizar como um movimento clandestino de guerrilha urbana. Logo após sua criação, ganhou as manchetes mundiais com ataques a bancos e tiroteios nas ruas, e mais tarde com atentados a bomba e tumultos generalizados na Alemanha Ocidental e até mesmo além de suas fronteiras”, descreve a jornalista Jillian Becker no livro Hitler’s Children: The Story of the Baader-Meinhof Terrorist Gang (“Os Filhos de Hitler: A História da Gangue Terrorista Baader-Meinhof”, sem tradução para o português).

 Influência de Marighella

O grupo terrorista surgiu durante um período conturbado, caracterizado pelas manifestações em diferentes pontos do planeta, com motivações as mais variadas – desde os protestos em massa contra a Guerra do Vietnã, nos Estados Unidos, até as barricadas de Paris, em maio de 1968. Na Alemanha Ocidental, um movimento estudantil bem organizado realizava manifestações constantes.

Uma delas começou de forma pacífica e terminou em tragédia: reunidos diante da Ópera Alemã de Berlim, em 2 de junho de 1967, os manifestantes protestavam contra a presença do xá do Irã, Mohammad Reza Pahlavi, que iria visitar o local com a esposa, a imperatriz Farah Diba, para assistir a um espetáculo.

Estudantes, policiais e seguranças do próprio xá entraram em um conflito que culminou com a morte do jovem Benno Ohnesorg. Uma das líderes do protesto, Gudrun Ensslin, estudante da Universidade Livre de Berlim, discursou um dia após o incidente, incitando os manifestantes a aderir a táticas violentas. É o que relata Becker.

“Uma loira alta chamada Gudrun Ensslin protestou estridentemente, dizendo que o ‘Estado fascista’ queria matá-los a todos, que eles precisavam se organizar para a resistência e que só poderiam responder à violência com violência. ‘É a geração de Auschwitz: não se pode discutir com eles!’, gritou ela, chegando ao ponto da histeria e chorando incontrolavelmente, com a maquiagem preta ao redor dos olhos escorrendo pelas bochechas e borrando as têmporas”.

Meses depois, Ensslin começou um relacionamento com o militante de esquerda Andreas Baader. Em abril de 1968, depois de incendiar duas lojas de departamentos de Frankfurt, a Kaufhof e a Schneider, os dois foram presos. Libertados de forma condicional em junho de 1969, eles caíram na clandestinidade, decididos a fundar um grupo guerrilheiro de esquerda. 

Baader foi identificado e preso novamente em abril de 1970. Ele estava detido em Berlim até que, em 14 de maio, foi autorizado a se deslocar, sob escolta, até a biblioteca do Instituto de Estudos Sociais para conceder uma entrevista à jornalista Ulrike Meinhof, que solicitou o encontro para que um grupo de guerrilheiros invadisse o local e libertasse Baader, o que de fato aconteceu: sob intenso tiroteio, que deixou um bibliotecário ferido, o líder fugiu por uma janela.

Meinhof o seguiu. Assim, abandonou a carreira profissional e deixou para trás suas duas filhas, as gêmeas Regina e Bettina, de sete anos de idade, para entrar na clandestinidade – as meninas estavam na escola no momento da ação. O episódio faria a fama dos dois e inspiraria o apelido dado ao grupo, Baader-Meinhof, ainda que Gudrun Ensslin fosse, de fato, a liderança mais importante ao lado do namorado. Para efeitos oficiais, 1970 ficou marcado como a data de fundação da RAF.

Lições extraídas do manual de Marighella 

Desde então, as ações armadas foram intensificadas, sob inspiração de Che Guevara e de movimentos de guerrilha latino-americanos, incluindo os Tupamaros do Uruguai e os líderes da luta armada de extrema esquerda no Brasil. De fato, os padrões de ação utilizados pelas guerrilhas de esquerda da América Latina, incluindo as brasileiras, foram levados em consideração. O Minimanual do Guerrilheiro Urbano, obra publicada em 1969 pelo líder comunista baiano Carlos Marighella, influenciou diretamente o livro Conceito da Guerrilha Urbana, que Meinhof começou a compartilhar, também na clandestinidade, em 1971.

Em 2 de junho, o semanário anarquista 833 publicou um manifesto do grupo, em que se lê: “Sem a formação desse Exército Vermelho, os porcos podem continuar trancando, demitindo, roubando crianças, intimidando, atirando e governando. Levar o conflito a um ponto crítico significa que eles não podem mais fazer o que querem, mas sim o que queremos. (…) Eles podem entender que o que está sendo lançado aqui já foi lançado no Vietnã, na Palestina, na Guatemala, em Oakland e Watts, em Cuba e na China, em Angola e em Nova York”.

O vínculo com a Palestina, em especial, seria consolidado quando um grupo de guerrilheiros, incluindo Baader, Ensslin e Meinhof, seguiram para a Jordânia, onde receberam treinamento oferecido pela Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) e pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP).

Outono Alemão

Ao longo de dois anos intensos, o grupo angariou novos integrantes, realizou assaltos a bancos com carros roubados e destruiu locais simbólicos. Uma escalada de ações, em especial, deixou um rastro de morte e destruição ao longo de maio de 1972. Com carros-bomba, mochilas com explosivos e bombas de retardo posicionadas em instalações militares e delegacias, o grupo deixou 17 feridos na editora Springer, em Hamburgo, três militares mortos no comando do exército americano em Heidelberg e mais de 60 veículos destruídos no estacionamento do Departamento Nacional de Investigações Criminais em Munique.

O que se seguiu foi uma caçada policial, que levou as principais lideranças da RAF a serem presas ainda em junho. Baader, Ensslin e Meinhof foram mantidos em regime de isolamento. Em novembro de 1974, Holger Meins, outro líder detido, morreu na cadeia, exaurido por uma greve de fome que o deixou com menos de 40 quilos. Meinhof foi encontrada enforcada no Dia das Mães de 1976, enquanto os integrantes da RAF que ainda estavam livres realizavam sequestros com a intenção de negociar a libertação e seus líderes. Por exemplo, em troca de devolver à liberdade Peter Lorenz, candidato a prefeito de Berlim Ocidental, cinco prisioneiros foram libertados e enviados ao Iêmen.

Iniciado em 1975, o julgamento do grupo prosseguiu até 1977. Foi o mais longo e mais caro da história da Alemanha Ocidental, em parte porque era preciso construir um salão apropriado e próximo da cadeia onde os líderes estavam detidos, a fim de evitar tentativas de resgate.

Na mesma época, Brigitte Mohnhaupt, treinada para suceder os fundadores e também detida em 1972, foi libertada e liderou uma nova sequência de episódios de grande violência, que ficariam conhecidos como Outono Alemão.

Duas ações, em especial, geraram uma grave crise institucional no país. A primeira foi o sequestro, rem 5 de setembro de 1972 de Hanns-Martin Schleyer, que era presidente da Federação dos Empregadores Alemães e da Federação Alemã da Indústria. Os terroristas exigiam a libertação de 11 de seus líderes. Desta vez, o governo se recusou a ceder. Na sequência, em 13 de outubro, com Schleyer ainda detido, um comando palestino sequestrou um avião da Lufthansa na Espanha. Queriam, em troca, que terroristas alemães fossem liberados.

O caso do avião terminou na Somália, onde três dos quatro sequestradores foram mortos – não sem antes executarem o piloto. No dia seguinte, líderes da RAF apareceram mortos ou feridos em suas celas: Ensslin, sem vida, enforcada com um fio de eletricidade; Baader, também falecido, alvejado com um tiro.

O outro líder, Jan-Carl Raspe, baleado, foi socorrido mas morreu no hospital. Uma quarta líder, Irmgard Möller, seria encontrada gravemente ferida com quatro facadas, no peito e no pescoço – ela sobreviveu e está viva ainda hoje. O governo considerou os casos como tentativas de suicídio. Quanto a Hanns-Martin Schleyer, seus sequestradores o levaram até a França, anunciaram que ele estava livre e, enquanto ele caminhava, o mataram com uma saraivada de tiros pelas costas. Seu corpo foi encontrado em 19 de outubro de 1977, dentro de um porta-malas de um carro utilizado pelo grupo.

Decadência violenta

Brigitte Mohnhaupt seguiu liderando ações violentas até ser presa, em 1982. Condenada a cinco prisões perpétuas, ela foi libertada em 2007. Está viva e segue uma vida discreta. Quanto à RAF, o grupo definhou sem sua liderança, mas se manteve ativo, especialmente em meados dos anos 1980. Em 1985, por exemplo, duas militantes, Birgit Hogefeld e Eva Hause, sequestraram e assassinaram um soldado com acesso à base aérea de Rhein-Main e utilizaram suas credenciais para deixar no local um carro-bomba que, ao ser detonado, matou duas pessoas e feriu outras 20.

As ações terroristas perderam fôlego na década de 1990, ainda que alguns incidentes tenham causado impacto, como o assassinato, em 1991, de Detlev Rohwedder, chefe da agência de privatização da antiga Alemanha Oriental, e a destruição de uma prisão em fase final de construção – outra iniciativa liderada por Hogefeld, que acabou sendo presa semanas depois e posteriormente liberada em 2011.

Em 2009, o filme O Grupo Baader Meinhof, de Uli Edel, foi indicado ao Oscar de melhor produção estrangeira. A produção segue um tom documental, se utiliza de discursos e textos da época e retrata desde a visita do xá do Irã até o assassinato de Schleyer. A RAF deixou um legado, especialmente para as famílias das vítimas, mas também para a democracia alemã, que se viu desafiada.

“Os terroristas do Baader-Meinhof podem ter algum interesse para os historiadores, visto que o movimento estudantil de protesto, a revolução fracassada de 1968, os conflitos ideológicos em que alegavam se envolver, pareciam como um fenômeno da época. No entanto, eles podem parecer aos outros mais interessantes como exemplos de um tipo de personalidade fundamentalmente antagônica ao mundo e, em última análise, autodestrutiva, do que por suas políticas”, afirma Jillian Becker em seu livro, antes de concluir: “Em nome de uma moralidade superior, eles odiaram, se enfureceram, mataram, destruíram, infligiram dor; alguns foram para a prisão; alguns morreram por suicídio, alguns foram baleados, alguns se explodiram com suas próprias bombas. E não fizeram bem a ninguém”.

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