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Cuiaba - MT / 30 de julho de 2025 - 14:15

PSOL faz 20 anos e troca “esquerda raiz” pelas pautas identitárias

O maior partido da esquerda radical está prestes a completar duas décadas de existência. Oficialmente reconhecido pelo Tribunal Superior Eleitoral em setembro de 2005, o PSOL passou por duas grandes mudanças desde a sua fundação.

Uma tem a ver com a sua política de alianças. A outra, com as prioridades da sua agenda. 

E, embora chegue aos 20 anos com a maior bancada de sua existência, o partido enfrenta desafios para crescer e promover o que a história provou ser um oxímoro: o socialismo com liberdade. 

Raízes no PT 

O PSOL foi criado por ex-petistas que não concordavam com uma visão mais pragmática implementada pelo governo Lula ainda em seu primeiro mandato. 

No fim de 2003, a senadora Heloísa Helena (AL) e os deputados Luciana Genro (RS) e Babá (PA) foram expulsos do PT por votarem contra a Reforma da Previdência. O trio se juntou a outros dissidentes que deixaram o partido e começaram a organizar uma nova legenda.  

Hoje, com 293 mil filiados, o PSOL é o 17º maior partido do Brasil por esse critério. Na Câmara, a sigla tem 13 deputados. 

O tamanho modesto não impediu o PSOL de ter suas próprias facções. Em 2010, a página do partido já listava oito “Tendências”, ou grupos políticos com correntes ideológicas diferentes. As disputas internas, geralmente entre os puristas ideológicos e aqueles dispostos a fazer alianças, causaram baixas como a de Marcelo Freixo, ex-deputado federal que se filiou ao PSB em 2021. 

Apesar de apelar a um jargão anti-elitista, o PSOL faz mais sucesso nas camadas mais altas da sociedade — sobretudo entre a classe média urbana. Entre três dezenas de partidos, o PSOL é o sexto com mais filiados que chegaram ao ensino superior (completo ou incompleto). Os dados do TSE mostram que 26,3% dos membros do partido cursaram ou estão cursando faculdade. PT e PSDB, por exemplo, não chegam a 22% nesse quesito. MDB e PL estão abaixo dos 18%. 

Programa radical 

Logo de início, o programa do PSOL do promete “socialismo com democracia, como princípio estratégico na superação da ordem capitalista”. 

A favor do PSOL, é preciso dizer que o programa rejeita “as experiências totalitárias dos regimes stalinistas” e que rejeita explicitamente os “modelos de partido único”. 

No mais, o receituário da sigla repete o manual da esquerda na virada do milênio: reforma agrária, redução da jornada de trabalho, a luta contra o “imperialismo”, rompimento com o FMI, calote na dívida externa. 

Comparado com o PT, o PSOL também foi mais agressivo na defesa de pautas no campo da sexualidade. O programa do partido já mencionava a oposição a “toda e qualquer violência e preconceito contra a orientação sexual dos GLBTS”. 

“A repressão policial é uma constante contra lésbicas, bissexuais, gays, travestis, transexuais. A luta pelo direito à livre orientação sexual é uma luta nossa”, diz o documento. 

O que mudou foi a sigla: de GLBTS em 2010 para LGBTQIAP+ hoje.  

Reaproximação com o PT 

Quando nasceu, o PSOL tinha uma postura isolacionista e era oposição ao PT no plano nacional. Não é mais assim. Esta foi a primeira das duas grandes mudanças pela qual o partido passou nos últimos anos. 

A reaproximação com o PT veio aos poucos.

Em 2014, por exemplo, na disputa do segundo turno entre Dilma Rousseff e Aécio Neves, o PSOL fez um malabarismo: manteve-se neutro, mas recomendou o voto contra o candidato do PSDB. A declaração da presidente do PSOL à época, Luciana Genro, repercutiu. “O partido não está se posicionando em favor de nenhuma candidatura, mas é contra a de Aécio”, disse. 

Já no segundo turno de 2018, a sigla ficou ao lado de Fernando Haddad para tentar derrotar Jair Bolsonaro. E, em 2022, pela primeira vez em sua história, o PSOL decidiu não lançar candidato. Em nome de uma frente ampla contra Bolsonaro, o partido apoiou Lula já no primeiro turno.

A eleição municipal de 2024 consolidou a parceria: em vez de lançar um candidato próprio à maior cidade do país, o PT decidiu apoiar a candidatura de Guilherme Boulos, do PSOL. 

Ao mesmo tempo em que rompe o isolamento que marcou os anos iniciais do PSOL, a aproximação com os petistas pode colocar em xeque o futuro do partido. Se o eleitor concluir que não há diferenças substantivas entre PSOL e PT, pode priorizar a sigla maior e mais competitiva. A mudança das regras eleitorais tende a tornar a sobrevivência do PSOL mais difícil.  

Em vigor desde 2018, a cláusula de barreira nas eleições para a Câmara prevê um aumento progressivo no percentual mínimo de votos válidos em nível nacional (ou número mínimo de deputados eleitos) para que o partido tenha acesso ao fundo partidário e ao tempo de TV. Em 2026, esse número será de 3% dos votos válidos (ou 15 deputados eleitos). Já em 2022, o PSOL decidiu formar uma federação com a Rede Sustentabilidade para somar os votos com outro partido e, assim, aumentar as chances de superar a cláusula de barreira. 

“O PT é um partido muito forte, ocupa muito espaço à esquerda e deixa pouco espaço para os seus aliados O PCdoB nunca cresceu. E o PSOL, já com 20 anos, tem dificuldade de eleger mais de 10 parlamentares”, analisa Carlos Ranulfo, professor de Ciência Política na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para ele, o bloco de esquerda é minoritário dentro do eleitorado brasileiro, e os partidos nesse campo por vezes competem por uma fatia limitada dos votos. “Se você observar a Câmara dos Deputados, a esquerda mal passa de 30%. E esse espaço é ocupado majoritariamente pelo PT. Então sobram PSB, PDT, PCdoB, Rede e PSOL, cada um com um pouquinho”, afirma. 

Experiência no Executivo foi um fracasso 

Em 2020, o PSOL obteve sua maior vitória em uma eleição para o Executivo: a sigla elegeu Edmilson Rodrigues prefeito de Belém. Mas a gestão foi um fracasso e, quatro anos depois, ele não atingiu nem mesmo 10% dos votos em sua tentativa de se reeleger. 

“Uma coisa é você eleger bancadas do Congresso, outra coisa você governar cidades importantes. O partido tem dificuldade para chegar no executivo e tem dificuldade para governar”, afirma Carlos Ranulfo. 

Em 2024, o PSOL elegeu um total de zero prefeitos. Em 2020, haviam sido cinco. 

As maiores vitórias vieram em outro campo: o STF. 

Nos últimos 20 anos, a maior parte das vitórias da sigla foi obtida em outra arena: o Supremo Tribunal Federal (STF). A sigla é ágil em acionar a corte para resolver assuntos que em outros tempos seriam resolvidos pelo Congresso Nacional ou o Executivo. Foi o PSOL quem provocou a corte para paralisar as emendas de relator no Congresso Nacional, e também foi o PSOL quem ajuizou a ação que pode levar o Supremo a legalizar o aborto no Brasil.  

De Heloísa Helena a Erika Hilton 

Na sua gênese, o PSOL priorizava temas econômicos — culminando com a implementação de um regime socialista. Agora, a sigla dá mais atenção à pauta progressista em temas de comportamento, como a defesa do aborto, da legalização das drogas e da agenda LGBT. 

Hoje, segundo o TSE, o PSOL é o segundo partido com maior porcentagem de filiados que utilizam nome social (um indicativo de que a pessoa se identifica como transexual). Em termos relativos, a sigla perde apenas do pequeno União Popular (UP). 

Saiu a luta anticapitalista, entrou a guerra cultural. 

Talvez a personificação dessa mudança seja a figura de Erika Hilton, atualmente o nome mais estridente do PSOL na Câmara dos Deputados. 

Primeira candidata do PSOL à Presidência, Heloísa Helena ficou conhecida como uma mulher simples ao extremo. Mesmo quando foi senadora, ela vestia, invariavelmente, calça jeans e blusa branca.  

Já Erika Hilton não tem problemas em exibir itens de marca quando divulga seu “look do dia” no Instagram. Na última semana, Hilton se exibiu enquanto segurava uma bolsa da marca Bottega Veneta cujo valor ultrapassa os R$25 mil. Em 2023, aliás, Hilton faltou a uma votação para ir a uma festa promovida pela marca de luxo.  

Poucos dias antes, Hilton comemorou, emocionada, ter recebido um convite para a área VIP em um show da cantora Beyoncé em Paris. Hilton preparou um figurino no estilo cowboy texano que provavelmente deixaria a ex-senadora Heloísa Helena horrorizada. Isso, se ela estivesse no PSOL. Helena —- católica que se manifestou publicamente contra o aborto —- deixou o partido há dez anos e hoje é integrante da Rede Sustentabilidade.

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