No dia 24 de junho, enquanto Nova York enfrentava temperaturas próximas dos 40 °C, o clima político na cidade estava ainda mais acalorado. A grande pergunta era: o deputado estadual Zohran Mamdani, socialista democrata, conseguiria derrotar o veterano Andrew Cuomo, ícone da política local e ex-governador do estado?
Analistas, pesquisadores e representantes do establishment nova-iorquino consideravam a vitória de Cuomo praticamente garantida. Herdeiro de uma das mais influentes dinastias políticas da cidade, ele era tido como imbatível. Mas, em questão de meses, Mamdani — que em fevereiro marcava apenas 1% nas pesquisas — chegou a 32% e, nas primárias de junho, venceu com folga.
Como isso foi possível?
Redes sociais, estética e conexão emocional: o tripé da vitória
As forças por trás da vitória do político de 33 anos lembram aquelas que impulsionaram Barack Obama, então um jovem carismático que conquistou uma geração com sua linguagem, sua imagem e sua capacidade de mobilizar. No caso de Mamdani, o segredo não está apenas nas propostas políticas, mas no que muitos chamam de vibe — uma combinação de estilo, autenticidade e pertencimento.
Mais do que uma campanha, Mamdani criou uma experiência. Com seus três anéis de prata, sorriso fotogênico e o que internautas chamam de “tom humanizador”, ele uniu cultura pop e política em uma verdadeira marca de estilo de vida. Seu vídeo viral de janeiro de 2025, no qual entrevista vendedores de food trucks halal sobre o aumento no preço do frango com arroz, acumulou mais de 84 mil curtidas no Instagram. O foco não era apenas a inflação, mas uma crônica sobre a Nova York real — diversa, popular, pulsante.
Nas redes sociais, sua campanha girava em torno de uma pergunta simples e poderosa: “Todo político diz que Nova York é a melhor cidade do mundo. Mas de que adianta isso se ninguém consegue pagar para morar aqui?” Mamdani escolheu responder não com panfletos ou debates, mas com vídeos de estética suave, filtros do Instagram e conversas com nova-iorquinos comuns.
A estratégia foi tudo menos improvisada. A agência Melted Solids — formada por ex-integrantes das equipes de Bernie Sanders e Jamaal Bowman — conduziu a campanha como se fosse uma startup de mídia. Narrativa, autenticidade e vibe eram os pilares. “As pessoas reconhecem o que é genuíno”, explicou Anthony DiMieri, cofundador da agência, à jornalista especializada em redes sociais Rachel Karten.
Quando votar vira tendência
E Mamdani entregou exatamente isso. Seus perfis eram povoados por vídeos bem editados em que ele aparecia andando por bodegas (mercearias típicas nova-iorquinas), questionando os aluguéis em vídeos inspirados no filme Pleasantville e brincando com o comediante Kareem Rahma no quadro Keep the Meter Runnin’ (“Mantenha o taxímetro rodando”). No dia da eleição, camisetas com frases como “Gatas por Zohran” circularam pelas redes — inclusive uma usada pela modelo Emily Ratajkowski, que declarou apoio ao candidato. A lista de celebridades incluía ainda Cynthia Nixon (de Sex and the City), a cantora Lorde e o humorista Stavros Halkias — ídolos de uma geração conectada e culturalmente engajada.
Mamdani não oferecia apenas promessas como transporte gratuito ou congelamento de aluguéis. Ele vendia uma Nova York na qual as pessoas podiam acreditar — e postar sobre. No Instagram e no X (antigo Twitter), multiplicaram-se as selfies com adesivos de “Eu votei”, fotos de votação antecipada e declarações de amor ao “Zaddy Zohran” (apelido que mistura desejo e admiração em tom bem-humorado). Um usuário escreveu: “Às vezes, o mais nobre que você pode fazer é acordar no Brooklyn, tomar um latte gelado com xarope de bordo, comer pão de banana com manteiga de amendoim e sair para votar no candidato socialista à prefeitura, Zohran Mamdani.”
As postagens ganharam ainda mais força com broches retrô inspirados nos anos 1960, pôsteres em estilo pop art colados em muros e caixas de correio, e jovens batendo de porta em porta — sempre posando para as redes. Era mais do que campanha: era comunidade.
Esse sentimento coletivo transformou a candidatura de Mamdani na “boate mais descolada da cidade” — aberta, estilosa e com uma utopia na medida certa para parecer radical, mas não inacessível. O preço da entrada? Apenas um voto.
A campanha também dialogava com o que analistas em Nova York apelidaram de “fenômeno West Village Girl”: uma identidade moldada por redes sociais, estética refinada, ativismo leve e consumo aspiracional — do tipo que faz alguém esperar horas por uma loja pop-up ou gravar diversos TikToks para chamar a atenção de uma marca. Se há quem enfrente fila às 8h para comprar mini croissants no L’Appartement 4F, por que não esperar no sol para votar em Mamdani? Sobretudo se isso render conteúdo para o feed. Como escreveu a ensaísta Caitlin Flanagan, “em nossas vidas isoladas, a fila é o ponto de encontro”.
Mas há um paradoxo em tudo isso. Segundo o New York Times, Mamdani teve melhor desempenho entre eleitores de classe média e alta, vencendo por mais de dez pontos nesse segmento. Cuomo, por outro lado, liderou entre os eleitores de baixa renda.
O paradoxo Zohran Mamdani: apoio das elites e ceticismo da base trabalhadora
Essa divisão sugere a influência do que o escritor Rob Henderson, membro do Manhattan Institute, chama de “crenças de luxo” — ideias progressistas mais populares entre os que não lidam diretamente com suas consequências. “A campanha de Mamdani foi um caso clássico”, afirmou Henderson. “Transporte gratuito, congelamento de aluguéis, mercados estatais… Tudo soa bem para quem está protegido das implicações. Já os nova-iorquinos da classe trabalhadora foram os menos propensos a votar nele.”
Na festa de apuração do Free Press, a repórter Maya Sulkin comentou: “As pessoas que votam em Mamdani são as que passam os fins de semana nos Hamptons, não as que têm dois empregos.” Para ela, o apelo do candidato estava menos nas propostas e mais no desejo de fazer parte de algo.
O sucesso de Mamdani reflete também a crescente estetização da política. Vivemos uma era em que o apoio sindical e os comerciais de TV perderam força. O que importa agora é: “O que apoiar este candidato diz sobre quem eu sou?” Para a Geração Z e os millennials, campanhas visuais, estética bem cuidada, comunidade e autenticidade são cruciais. Presença digital, sensibilidade cultural e domínio do tempo das redes sociais tornaram-se pré-requisitos para o sucesso.
Como Eric Adams pode reagir à política da estética?
O que pode fazer Eric Adams, atual prefeito e agora adversário direto de Mamdani na eleição geral, para competir nesse novo jogo? Sua maior esperança: viralizar.
Adams tem matéria-prima de sobra. Fotos em festas no clube privado Zero Bond, a vez em que furou a orelha num evento pós-eleição, sua entrada no metrô com lenço da grife Fendi, o vídeo franzindo as sobrancelhas, sua aparição recente num bar de narguilé no Queens — momentos prontos para virar meme.
Se ele abraçar essa imagem e souber convertê-la em mensagem de campanha, como fez Donald Trump em 2016, poderá criar uma narrativa autêntica, identificável e alinhada à sua proposta de “bom senso”.
Por ora, Mamdani segue na dianteira — e não apenas em votos. Ele criou um clima. E, em tempos em que a fronteira entre cultura digital e política se dilui, esse clima pode pesar mais que qualquer plano de governo.
©2025 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês: Mamdani’s Vibes Campaign