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Cuiaba - MT / 4 de julho de 2025 - 16:39

A Índia já passou o Brasil em saneamento básico. Entenda por quê 

O estereótipo da Índia é o de um país com problemas sanitários graves, onde o saneamento básico é um luxo indisponível para a maioria avassaladora da população.

Essa imagem, entretanto, tem deixado de ser real. Pela primeira vez, a Índia ultrapassou o Brasil nesse quesito. Segundo os números mais recentes da Organização Mundial da Saúde, compilados em 2022 e divulgados no ano seguinte, 52% dos indianos vivem em casas em que o esgoto tem o tratamento adequado. No Brasil, o percentual é de 50%.

A linha do tempo evidencia a velocidade com que esse cenário se inverteu. Em 2000, apenas 6% dos moradores da Índia tinham acesso a saneamento básico, ante 36% dos brasileiros. Em 2010, os números haviam passado para 26% e 40%, respectivamente. 

A Índia atingiu o mesmo patamar do Brasil em 2021, antes de ultrapassar os brasileiros no ano seguinte. 

Construção de 110 milhões de banheiros 

Na última década, o governo indiano fez um esforço para levar a rede de esgoto às regiões mais remotas do país e modernizar a infraestrutura do país que, em algumas regiões, é tão miserável quanto os rincões da África. 

O salto é mais impressionante quando se considera que, uma década atrás, a maioria dos indianos não tinha nem mesmo vasos sanitários em casa.

Entre 2014 e 2019, o governo da Índia construiu mais de 110 milhões de banheiros. O programa beneficiou mais de 600 milhões de pessoas — praticamente metade da população do país. 

Segundo dados do governo indiano divulgados em 2022, 83% das casas do país têm um banheiro. Apenas 9,3% das residências estão ligadas à rede de esgoto. O uso de tanques sépticos é mais comum (cerca de 40% das casas). Entretanto, pelos critérios da Organização Mundial da Saúde, este também é considerado como “manejo adequado” de saneamento.

Os dados do Censo de 2022, cujos dados foram divulgados em 2024, são diferentes daqueles utilizados pela Organização Mundial da Saúde. Segundo o levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 62,5% da população do Brasil moravam em casas conectadas à rede de esgoto em 2022. 

Apesar da disparidade dos números, é fato que o progresso brasileiro tem sido mais lento que o indiano. 

Falta de saneamento no Brasil tem raízes históricas 

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o Brasil tem ficado para trás no quesito saneamento básico. Até 2005, o país estava acima da média global nesse indicador. Não mais.  

Além da Índia, outros países deixaram o Brasil para trás nos últimos anos. O México, por exemplo, passou de 18% em 2000 para 63% em 2022. Marrocos foi de 32% para 61%. O Peru, de 11% para 55%. 

O problema tem raízes históricas. As dimensões continentais do Brasil, somadas ao grande número de casas construídas de forma irregular nas periferias e nas áreas rurais, contribuem para o problema. Mas, como a Índia tem demonstrado, esses fatores não são impeditivos. 

A presidente executiva do Instituto Trata Brasil, Luana Pretto, diz que falta uma visão adequada a muitos governantes brasileiros. “Muitas vezes os governantes veem o saneamento como algo que exige a cobrança de tarifa de esgoto para viabilizar os investimentos e garantir a sustentabilidade econômico-financeira. Também há a necessidade de quebrar o pavimento para instalar as redes de esgoto, o que pode causar transtornos no trânsito. Por isso, muitos acabam evitando esse tipo de intervenção e não pensam no futuro da população”, ela afirma. 

Segundo Luana, a população também precisa cobrar os políticos para que eles tratem o saneamento como prioridade. “Há uma dificuldade de conscientização da população em relação à importância do acesso à água tratada e coleta e tratamento dos esgotos. É a pouca cobrança também por parte da população para que os governantes priorizem esse tema na agenda pública”, diz.

Consequências da falta de saneamento 

O Instituto Trata Brasil estima que a falta de saneamento gerou 11,5 mil mortes, além de 344 mil internações, apenas no ano passado. 

A falta de atenção ao tema também traz prejuízos financeiros ao país. 

Um estudo do Trata Brasil concluiu que a universalização do saneamento básico no país poderia gerar um ganho de R$1,4 trilhão em benefícios econômicos e sociais. O valor leva em conta a redução de custos com saúde pública, o aumento da produtividade da população, a valorização imobiliária e o crescimento do setor de turismo. 

Uma mudança importante neste setor veio em 2020. Naquele ano, o Congresso aprovou o Marco do Saneamento, que permite aos entes federativos repassar a companhias privadas a construção e o gerenciamento de serviços de saneamento básico. A abertura ao mercado trouxe a esperança de que o país voltasse a acelerar a expansão desse tipo de infraestrutura. 

Mas, como os dados globais mais recentes foram compilados em 2022, ainda é cedo para saber se a nova legislação permitiu que o Brasil acelerasse as obras de saneamento e voltasse a superar a média global na cobertura de esgoto.

Investimentos públicos estagnados 

O economista Raul Velloso, doutor pela Universidade de Yale, avalia que os problemas do saneamento no Brasil devem ser analisados num contexto macroeconômico. Ele destaca que o investimento público em infraestrutura vem caindo nos últimos anos, em grande parte devido ao aumento dos gastos previdenciários. 

“O investimento em infraestrutura vem desabando e a taxa de crescimento do PIB desabando com ele”, alerta Velloso, acrescentando: “O gasto previdenciário subiu tanto que o espaço orçamentário que poderia estar se abrindo para o investimento público em infraestrutura não se abre. Ele é todo ocupado pela Previdência”. 

Para o economista, sem uma reforma fiscal que abra espaço no Orçamento da União, não será possível elevar de forma significativa o investimento público em saneamento. Na visão de Velloso, os gestores públicos devem identificar com precisão os gargalos que impedem a universalização do saneamento. 

“É preciso ter um diagnóstico correto para saber o que adotar como solução”, ele reforça. Velloso lembra que, ainda que o Marco Legal do Saneamento preveja a ampliação da participação privada, nem sempre esse setor proporciona retornos atrativos para as empresas. 

Atualmente, cerca de 70% dos investimentos em saneamento vêm do Estado e 30% do setor privado. Em 2023, o valor total investido em água e esgoto atingiu quase R$ 29 bilhões — com aproximadamente R$ 20 bilhões do setor público e R$ 9 bilhões do privado  

Em 2024, só o setor privado firmou contratos e concessões que somam R$ 105 bilhões em investimentos previstos até 2026.

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