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Cuiaba - MT / 25 de junho de 2025 - 5:00

Minha opinião sobre a brasileira que caiu no vulcão lá na Indonésia

Às três da manhã, ouço batidas na porta. Amaldiçoando até a 10ª geração de quem quer que seja a essa hora, e com esse frio, me arrasto e dou de cara com meu editor. O que será que aconteceu? Será que eu errei uma crase? Nada disso. “Um assinante ligou para a Gazeta do Povo exigindo a sua opinião sobre a brasileira que caiu no vulcão lá na Indonésia”, diz ele, como se minha opinião fosse a coisa mais importante do mundo.

“Tudo bem, mas… a essa hora?! E com esse frio?!”, penso, mas não pergunto. Diante de minha cara de sono e contrariedade, porém, o editor diz que cada um de nossos 150 mil assinantes é especial, faz beicinho e, com voz de cuticuti, pede porfavô, porfavorzinho, vai? Concordando, me arrasto até o escritório e quase sou cegado pela luz do monitor. Aqui vou eu dar minha opinião preliminar sobre a moça, protagonista dessa tragédia: coitada.

Me inteirando do caso

Mas claro que minha opinião supostamente requisitada não pode ficar nisso. Por isso trato antes de me inteirar do caso. Juliana Marins (ou Martins) é brasileira de Niterói. Ela tem entre 24 e 26 anos (as fontes variam). É dançarina profissional e formada em Publicidade e Propaganda pela UFRJ. Na madrugada de sábado (21), Juliana fazia uma trilha no Monte Rinjani, quando caiu da borda da cratera do vulcão. As fontes dizem que a queda foi de 300 a 500 metros.

Uma tragédia, sem dúvida. Agravada pelo fato de que a operação de resgate demorou. No momento em que escrevo este texto, não se sabe se Juliana está bem. Ou viva. Diante das cobranças para que o governo brasileiro fizesse alguma coisa, qualquer coisa, o Itamaraty soltou uma nota chocha. Pudera. A moça não é nenhum cavalo no meio da enchente. Nem ex-primeira dama corrupta. E o vulcão não fica na Amazônia. Então acho que não tem serventia para um governo que vive de propaganda.

Vergonha – e nojo

Lá fora o dia vai nascendo e nada de eu conseguir formar uma opinião sobre o acidente com a moça. Tadinha. Uma dificuldade que, evidentemente, não compartilho com o amigo internauta, que sempre tem uma opinião sobre tudo e no momento está citando Dostoiévski para falar do hedonismo que é a marca de uma geração que se arrisca, blá, blá, blá. Jovens se arriscando. Que novidade.

Vi também quem dissesse “bem feito” para a moça. Porque parece que ela fazia parte da turma do “Ele Não”. Lembra? Uma crueldade e, se não tenho uma opinião sobre o acidente em si, sobre essa reação política a uma tragédia que pode ter resultado numa morte lenta e horrível (toc, toc, toc) eu tenho, sim: é coisa de quem vendeu a alma à ideologia. De uma direita que dá vergonha – e nojo.

Coisa besta

Uma vez livre do nojo, me pus a lembrar. Me lembrei do Silva Jardim (sim, o da avenida), que morreu ao cair ou se jogar no Vesúvio. Depois me lembrei do Padre do Balão e, já que estava nessa de lembrar, me lembrei de um texto que escrevi sobre o engarrafamento no Everest e outro que escrevi sobre essa nossa obsessão por encontrarmos culpados por acidentes. Por fim, me lembrei da Parábola do Bom Samaritano.

O resultado é esta crônica. Sem opinião, a não ser a da direita que dá vergonha e outra que me ocorreu agorinha mesmo: há assuntos sobre os quais qualquer opinião que se dê é inútil ou pervertida. Resta-nos a oração. E talvez um instantezinho de reflexão sobre o que nos leva a correr riscos desnecessários. Me refiro a trilhas em vulcões e saltos de paraquedas, mas também a xingar Lula de ladrão, fazer uma piada, transformar os ministros do STF em personagens circenses ou criticar o sistema eleitoral brasileiro. Coisa besta, sô.

Atualização

Estava publicando este texto quando recebi a notícia de que a moça que caiu da trilha no vulcão lá na Indonésia, Juliana Marins, morreu. Só espero que não tripudiem sobre o sofrimento da família. Meus sentimentos.

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Cuiaba - MT / 25 de junho de 2025 - 5:00

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