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Cuiaba - MT / 20 de junho de 2025 - 13:03

Mestras da infiltração: a história não contada das agentes secretas

Em “A História das Espiãs da CIA: Secretas e Fatais” (editora Amarilys), a jornalista americana Liza Mundy revela como as agentes femininas, nem sempre reconhecidas como deveriam, foram peças-chave na construção e nas vitórias dos serviços de inteligência dos Estados Unidos.

Autora do best-seller “Code Girls” (sobre as decodificadoras americanas da Segunda Guerra) e colaboradora de publicações como The Atlantic, Politico e Smithsonian, Mundy lança luz sobre as personagens ocultas que atuaram na Guerra Fria, nos conflitos no Oriente Médio e na caçada a Osama Bin Laden — como analistas, técnicas e operativas de campo.

O trecho a seguir mergulha no início dessa trajetória pouco contada, mostrando como as agências internacionais descobriram que as mulheres eram perfeitas para o trabalho de espionagem.

As mulheres chegavam aos milhares. Em seu auge, o Escritório de Serviços Estratégicos empregava 13 mil americanos, dos quais mais de um terço, ou seja, 4.500, eram mulheres, com quase mil delas servindo no exterior.

Mais uma vez, os americanos pegaram emprestada uma página dos britânicos. No início da Primeira Guerra Mundial, os britânicos já haviam percebido as vantagens de contratar mulheres para a equipe de um serviço de espionagem, tirando mulheres bem-nascidas das poucas universidades que as admitiam e colocando-as em cargos de escritório na operação de espionagem do país, que era formalmente conhecida como SIS [Serviço Secreto de Inteligência, em inglês Secret Intelligence Service], mas que, durante a guerra, passou a ser chamada de MI6.

Essas mulheres, de aparência ágil e polida, cuidavam da papelada de que os homens precisavam para ter sucesso. Elas montavam arquivos, produziam documentação falsa e conheciam os padrões dos agentes estrangeiros.

Elas também faziam muito mais. Algumas se tornaram gestoras de alto nível, incluindo Vera Atkins, a especialista em apoio logístico na qual se diz que a personagem Miss Moneypenny, de Ian Fleming, foi baseada.

Atkins começou como secretária, é verdade, mas fazia muito mais do que flertar ou receber memorandos. Responsável pelo recrutamento, treinamento e bem-estar dos agentes britânicos na França ocupada, ela se tornou uma formidável agente de inteligência, gerenciando a rede de espionagem no exterior. (Connie, caçadora de russos de John le Carré — impassível, onisciente —, foi outra personagem que incorpora muitos traços do que as mulheres fizeram pelo serviço de espionagem da Inglaterra durante a guerra e depois ela).

Atkins se sentia responsável pelas agentes femininas do SOE [Executiva de Operações Especiais, em inglês Special Operations Executive, unidade paramilitar clandestina da Inglaterra], acompanhando-as em campos de aviação secretos para missões, oferecendo-lhes pílulas de suicídio e chamando-as de “minhas garotas”.

Charmosas e engenhosas

Outras mulheres britânicas lidavam com agentes, administravam casas seguras e se disfarçavam para se infiltrar em grupos de simpatizantes nazistas. Para esse trabalho de espionagem em campo, as autoridades procuravam mulheres que não fossem apenas charmosas e engenhosas, mas que pudessem canalizar seu charme para as pessoas certas da maneira certa.

Um agente da época da guerra, Maxwell Knight, do MI5, a organização de inteligência da Inglaterra, dirigiu várias mulheres em operações de infiltração contra organizações e simpatizantes pró-nazistas, entendendo que as mulheres, colocadas em uma organização-alvo disfarçadas de secretárias ou funcionárias, tinham amplo acesso a informações.

Em um memorando, Knight refletiu que uma agente feminina não deveria ser muito sexy ou bonita, para não seduzir o pobre superior masculino que a estivesse controlando. Tampouco deveria ser fria e pouco sexualizada.

“O que é necessário”, concluiu ele, “é uma mulher inteligente que possa usar seus atributos pessoais com sabedoria”. Knight considerava as mulheres — embora vaidosas, ele acreditava — mais discretas e eficientes em guardar segredos, enquanto os homens eram mais propensos à “conversa-fiada”.

“O homem”, declarou ele, “é uma criatura vaidosa” cujo desejo de impressionar “muitas vezes o leva à indiscrição”.

A operação paramilitar do SOE também treinava mulheres que falavam francês nativo e as lançava de paraquedas na França ocupada. As agentes do SOE atuavam frequentemente como operadoras de rádio, um dos trabalhos de inteligência mais perigosos da guerra.

Escondidas em sótãos e casas seguras, perseguidas por vans alemãs com equipamentos de localização de direção, elas enviavam comunicações codificadas vitais para Londres.

Essas mulheres eram excepcionalmente vulneráveis: ao contrário dos agentes do sexo masculino, elas não tinham patente militar e, quando capturadas, não tinham direito à consideração merecida pelos prisioneiros militares. Pelo menos 12 agentes femininas do SOE morreram em campos de concentração.

Estereotipadas como “iscas”

Sem dúvida, sempre existiram agentes mulheres, mas antes da Segunda Guerra Mundial elas tendiam a existir ad hoc — para uma missão específica — e de maneira autônoma. Embora as espiãs sejam quase sempre estereotipadas como “iscas” ou Mata Haris — obtendo informações por meio do sexo e de conversas de travesseiro —, a verdade é que elas demonstravam alcance e coragem, muitas vezes se ocultando em vez de se exibir.

A primeira espiã conhecida da Inglaterra foi a dramaturga e romancista Aphra Behn, que em 1666 foi enviada à Antuérpia por Carlos II para convencer um espião holandês a se tornar um agente duplo da monarquia britânica. Behn, que observou que sua missão era “incomum para o meu sexo ou para minha idade”, relatou que, “embora tímido a princípio”, seu alvo “tornou-se, com a ajuda dos argumentos, extremamente disposto a realizar o serviço”. Behn, cujos nomes de código eram ASTREA e Agente 160, tornou-se a primeira ex-espiã enterrada na Abadia de Westminster.

Nos Estados Unidos, Harriet Tubman — espiã autodidata e gênio do apoio logístico — dirigiu uma extraordinária rede de exfiltração, evacuando escravos do Sul e encaminhando-os para a liberdade debaixo do nariz de uma das redes de detecção mais implacáveis do mundo: brancos donos de escravos cujo sustento e modo de vida estavam em jogo.

Tubman demonstrou uma verdade duradoura da espionagem: as qualidades que parecem funcionar contra um espião podem ser revertidas a seu favor. Ninguém esperava que uma mulher negra fosse capaz e estivesse no comando.

Seguindo mais ou menos o mesmo princípio, a primeira organização de detetives particulares dos Estados Unidos, a Pinkerton Agency, criou um Departamento de Detetives Femininos completo; a chefe, Kate Warne, apareceu um dia para oferecer seus serviços a Allan Pinkerton, ressaltando que ela poderia facilmente se passar por infiltrada, já que as mulheres praticamente viviam infiltradas de qualquer forma; ninguém esperava que esposas ou lavadeiras estivessem fazendo algo importante.

“As mulheres”, ela argumentou ainda, “têm olho bom para os detalhes e são excelentes observadoras”. Em março de 1861, Warne, fazendo-se passar por uma beldade sulista do Alabama — seus pseudônimos incluíam Mrs. Barley e Mrs. Cherry —, participou de festas secessionistas e ficou sabendo de um plano para assassinar Abraham Lincoln antes de sua primeira posse. A agência Pinkerton o contrabandeou em um trem para Baltimore, disfarçando-o de inválido, com Warne o acompanhando no papel de irmã cuidadora.

Não era seu apelo sexual que tornava as mulheres boas espiãs. Ao contrário, era sua imperceptibilidade, bem como seu papel social. As mulheres ouviam coisas; elas criavam espaços e ocasiões em que podiam ter conversas tranquilas.

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