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Cuiaba - MT / 19 de junho de 2025 - 12:03

Eles “fizeram o L” e ganham até R$ 100 mil na tevê estatal que ninguém vê 

De vez em quando, alguém lembra da TV Brasil — emissora do Governo Federal que dá traço de audiência, apesar de custar os tubos para os contribuintes do país. 

Desta vez, a estatal voltou a ser assunto ao conceder um gordo aumento de salário à atriz Cissa Guimarães, apresentadora do programa de entrevistas “Sem Censura”. A apoiadora de longa data do presidente Lula ganhou um reajuste de causar inveja até na iniciativa privada: seu “soldo” mensal saltou de R$ 70 mil para R$ 100 mil, e isso apenas um ano depois de sua estreia no canal. 

O acerto anual com a produtora terceirizada que realiza a atração também inflacionou, passando de R$ 5 milhões para R$ 6,2 milhões. Segundo a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), à qual a TV Brasil é vinculada, o contrato (assinado sem licitação) foi ampliado porque o programa passará a ser gravado em outras cidades, além do Rio de Janeiro, e terá conteúdos produzidos exclusivamente para as redes sociais. 

A EBC ainda justifica a contratação de Cissa Guimarães com base em seu “engajamento em causas sociais e comunitárias” — e cita, como exemplo, a participação da ex-global em uma campanha de trânsito promovida em 2012 pelo Ministério das Cidades, durante o governo de Dilma Rousseff. 

A notícia da “turbinada” nos gastos com o “Sem Censura” chega junto com o prêmio de Melhor Programa de TV de 2024, concedido pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). Nove jornalistas participaram da votação da categoria, que tinha como outros indicados “Companhia Certa” (RedeTV), “Lady Night” (Multishow), “Projeto Falas” (Globo) e “Que História é Essa, Porchat?” (GNT).

Mas se o talk show de Cissa Guimarães agrada alguns críticos paulistas de arte, o mesmo não se pode dizer do público. Sua audiência reflete o baixo interesse dos brasileiros pela programação da TV Brasil em geral, cuja média mensal de audiência fica entre 0,2 e 0,3 ponto na Grande São Paulo (a maior “praça” do país, onde um ponto equivale a cerca de 73 mil domicílios). 

Ou seja, o canal dá o chamado “traço” — quando os levantamentos registram menos de 0,4 ponto, um número de espectadores tão pequeno que as ferramentas de medição têm até dificuldade em aferir com precisão.

É muito pouco se levarmos em consideração o orçamento da EBC para este ano: R$ 881,2 milhões, do quais 58,4% são destinados ao pagamento dos salários de seus cerca de 1,7 mil funcionários (que trabalham e produzem conteúdos para a TV Brasil e outros veículos federais, como o Canal Gov e o Canal Educação, além de rádios e agências de notícias). 

Em 2021, o ministro das Comunicações do governo de Jair Bolsonaro, Fábio Faria, afirmou que só a TV Brasil “deixa R$ 550 milhões de prejuízo por ano”. 

Emissora pública também precisa de audiência

“Para veículos de comunicação pública, diferentemente do que alguns dizem e defendem, a audiência também é fundamental”, afirma o jornalista Hélio Doyle, ex-diretor-presidente da EBC, em um artigo publicado no site de cobertura política Poder 360

“Não tem sentido investir em um canal de televisão que pouquíssimos assistem, ou comemorar quando um programa de televisão atinge 0,2 ponto de audiência”, diz, referindo-se à TV Brasil. 

Doyle, que exerceu o cargo entre fevereiro e outubro de 2023 (e foi demitido após compartilhar em suas redes uma mensagem com ataques a apoiadores de Israel), também critica, sem citar nomes, a constante interferência do governo nos veículos públicos. 

“A preocupação principal de um ministro ou secretário de comunicação é com a imagem do governo e com a divulgação de suas realizações, não com questões culturais e educativas e com a informação plural e isenta”, afirma.

Quando esteve à frente da estatal, o jornalista respondia diretamente ao petista Paulo Pimenta, então ministro-Chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom). 

Frutos da militância

Para Antonia Pellegrino, diretora de conteúdo e programação da EBC, a audiência da TV Brasil não é baixa. O que importa, segundo ela, é o “público impactado” — indicador usado por governos e ONGs para quantificar o alcance de projetos e, principalmente, apresentar números expressivos (porém muitas vezes apontado como um artifício para maquiar o desempenho).

“Impactamos 193 milhões de indivíduos no Brasil. Nossa meta é nos mantermos no quinto lugar [entre as emissoras abertas]”, diz Antonia, em uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. De acordo com ela, o consumo de mídia mudou e hoje a visualização de conteúdos nas redes sociais também deve ser considerada como audiência. 

Roteirista de filmes como “Tim Maia” e “Bruna Surfistinha”, Antonia Pellegrino tem em sua trajetória outra combinação de fatores que a credencia para trabalhar na EBC (e receber um salário mensal de R$ 27,3 mil, mais R$ 2,1 mil em benefícios): ela é totalmente integrada à “intelectualidade” de esquerda brasileira. 

Filiada ao PT, neta do psicanalista (e comunista) Hélio Pellegrino (1924-1988) e casada com Marcelo Freixo (atual presidente da Embratur), a diretora ainda mantém uma boa relação com uma figura-chave do governo Lula 3: a primeira-dama Janja Silva. 

Como Antonia, o elenco da TV Brasil hoje é marcado por artistas e jornalistas que “fizeram o L” em campanhas eleitorais e agora colhem os frutos de sua militância — apresentando programas que oscilam entre a exaltação ao governo Lula, críticas ao campo político da direita e a divulgação das causas identitárias. Conheça a seguir algumas dessas personalidades da televisão pública (e quanto elas ganham).

A personagem Rita von Hunty (interpretada pelo ator Guilherme Terreri), com o ex-ministro da Paulo Pimenta e o presidente da EBC, Jean Lima, no anúncio da série "Como Nascem os Heróis".A personagem Rita von Hunty (interpretada pelo ator Guilherme Terreri), com o ex-ministro Paulo Pimenta e o presidente da EBC, Jean Lima, no anúncio da série “Como Nascem os Heróis” (Foto: Lucas Leffa/Secom)

Cissa Guimarães 

Quem é  

Conhecida por sua atuação no programa “Vídeo Show” e em novelas da Globo, onde trabalhou durante 40 anos, Cissa foi demitida da emissora carioca em 2021. No ano seguinte, atendeu a um chamado de Janja e participou, com outros 20 artistas, do clipe para a nova versão do jingle “Sem Medo de Ser Feliz” (aquele do refrão “Lula lá”), divulgado durante a última campanha presidencial. Não ganhou cachê na ocasião, porém em 2024 recebeu o convite da EBC para apresentar o “Sem Censura”. 

O salário 

R$ 100 mil mensais.

O programa 

No ar, com interrupções, desde 1985, o tradicional talk show voltou remodelado. Nem tanto no formato, ainda baseado em convidados e debatedores, mas principalmente na temática — centrada em questões woke e outras formas de vitimismo. 

Quatro tipos de entrevistados costumam aparecer na atração: ativistas sociais, profissionais liberais (especialmente médicos e psiquiatras), artistas e influenciadores. Todos de esquerda, claro. 

As pérolas 

“Será que toda masculinidade é tóxica? O problema da masculinidade é que ela não cuida em geral. Então, o masculino que cuida, seja ele pai ou pai de pet, ressignifica a masculinidade. Porque o cuidado é libertador, é uma delícia” — Gregorio Duvivier, ator. 

“É importante que o grupo que historicamente se beneficiou da opressão compreenda que os seus privilégios foram construídos, não são naturais. É importante que as pessoas brancas compreendam o seu lugar a partir do lugar da branquitude e discuta a questão racial a partir desse lugar. Historicamente, os homens brancos se entenderam como universal (sic)” — Djamila Ribeiro, filósofa, autora do livro “Lugar de Fala”. 

Leandro Demori

Quem é 

Jornalista e ex-editor do site Intercept Brasil, Demori ficou conhecido pela série de reportagens “Vaza Jato” (sobre a proximidade do ex-juiz Sergio Moro com os procuradores da Operação Lava Jato, revelada em mensagens conseguidas ilegalmente por um hacker). Sua obsessão atual é a suposta “trama golpista” e a defesa da prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O salário 

R$ 441,5 mil (contrato anual).

O programa 

“Dando a Real com Demori” é o nome da atração, um talk show pelo qual passam personalidades da política, da imprensa, da academia e da cultura — de José Dirceu a Marilena Chauí, passando por Gleisi Hoffmann, Jaques Wagner, Juca Kfouri e Laerte. 

As pérolas 

“O Bolsonaro tinha não só o apoio do Exército, mas também do imperialismo. E ele só deixou de ter o apoio do imperialismo quando o Trump caiu. Porque, para os liberais dos Estados Unidos, não era interessante ter um louco da extrema direita aqui, seria um polo de oposição contra eles” — Renato Freitas, deputado estadual (PT-PR). 

“Há o surgimento do empresário de si mesmo, isto é, do ‘precariado’. É a desaparição da figura da classe trabalhadora. A classe trabalhadora que, concretamente, através do trabalho, se relacionava com o mundo, era a forma da relação social e política que vinha na constituição de classe. Agora, o que você tem é essa dispersão e essa ilusão de que eu sou dono de mim mesmo” — Marilena Chauí, filósofa. 

Eliana Alves Cruz 

Quem é 

Jornalista e escritora, venceu o Prêmio Jabuti de Literatura em 2022 pelo livro de contos “A Vestida”, que aborda temas como antirracismo, feminismo e colonialismo. Também é conhecida por defender a pauta da reparação histórica para a população negra. 

O salário 

R$ 95 mil (contrato de seis meses).

O programa 

O “Triha das Letras”, que Eliana assumiu na quarta temporada, busca discutir temas atuais por meio da literatura e de conversas com autores, editores e críticos. Nomes queridinhos da esquerda hipster/woke, como Conceição Evaristo e Carla Madeira, já foram destaques da atração — que também conta com convidados, digamos, “alternativos”, a exemplo do youtuber Felipe Neto e da ministra do STF Carmén Lúcia. 

As pérolas 

“Paulo Freire falava muito no que ele chamava de transitividade entre uma inteligência inocente e uma inteligência crítica. Você faz essa transição, essa passagem, essa travessia por uma inteligência crítica por meio da educação” — Carmén Lúcia, ministra do STF. 

“Quando comecei a atacar o que representava o Jair Bolsonaro, achei que estava vindo um monte de gente junto. Influenciadores, pessoas públicas, artistas, atores, apresentadores… Mas isso não aconteceu. A classe artística se emudeceu. E, ao se calar, ela facilitou a ascensão desse neofascismo” — Felipe Neto, youtuber.

Teresa Cristina 

Quem é 

Cantora e compositora associada ao samba “de raiz” e à revitalização do bairro carioca da Lapa. Em 2024, Teresa foi a atração musical do jantar de aniversário dos 44 anos do PT, além de integrar a escalação do Aliança Global Festival Contra a Fome e a Pobreza (o controverso “Janjapalooza”). 

No último Carnaval, durante um show em Salvador, Teresa engrossou (e inflamou) o coro de “Sem Anistia” puxado por parte da plateia. “Anistia é o caralh*, p*rra! Bandido tem que ser preso. E não é só ele. Ele, os filhos, a mulher, todo mundo, pô!”, disse para o público. 

O salário 

R$ 3,64 milhões (valor pago à empresa da artista pela produção, gravação e edição de 52 episódios).

O programa 

Anteriormente apresentado pelo cantor Diogo Nogueira, o “Samba na Gamboa” tem o mérito de resgatar e valorizar nomes muitas vezes esquecidos da MPB. No entanto, sob o comando de Teresa Cristina, a atração tende a resvalar em temas políticos com viés de esquerda. 

As pérolas 

“Chico Buarque me fez um músico melhor, um cidadão melhor, um brasileiro melhor” — Moyseis Marques, cantor e compositor. 

“Sempre procurei trazer o que era considerado um problema para a sociedade. Essa sociedade brasileira tão complicada e preconceituosa. Acho que o fato de eu ter ficado alguns anos fora das gravadoras, fora da mídia, foi por causa disso” — Leci Brandão, cantora, compositora e deputada estadual (PCdoB-SP). 

Rita von Hunty 

Personagem interpretada pelo ator, palestrante e youtuber Guilherme Terreri. Criador do canal Tempero Drag, com mais 1,3 milhão de inscritos, ele produz vídeos com nomes como “Ao farol do marxismo”, “Ferida colonial”, “O Deus problema”, “Religião como discurso de ódio” e “Bíblia: a escritura sagrada????????” (assim mesmo, com vários pontos de interrogação).

O salário 

R$ 1,33 milhão (valor pago à empresa Apavirada Filmes para a produção de uma série de dez episódios; a remuneração de Terreri não foi revelada) 

O programa 

Rita von Hunty apresenta a série “Como Nascem os Heróis”, que busca desmistificar a trajetória de personagens históricos brasileiros. Com estreia prevista ainda para este ano, a atração vai perfilar, “sob uma nova perspectiva”, nomes incluídos noLivro de Aço dos Heróis e Heroínas da Pátria (criado em 1992 e guardado no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes, em Brasília). Entre eles o ex-presidente Getulio Vargas (1882-1954), o líder quilombola Zumbi dos Palmares (1655-1695) e a revolucionária Anita Garibaldi (1821-1849). 
 
As pérolas 

“Quem lutou para que esses nomes aparecessem lá? Porque é um processo político. No tempo histórico dessas personagens, qual era a posição delas sobre a escravidão no Brasil? Quais interesses são atendidos quando essas personagens podem ser mantidas e sustentadas como heróis e heroínas da pátria?” — Guilherme Terreri, explicando o conceito da série para o site Metrópoles

“Pessoalmente, não vejo a hora de ter como heroína da pátria a Marielle Franco” — Terreri, na mesma entrevista.

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