Plenário da Câmara dos Deputados, 28 de março de 2018. O deputado Tiririca (PL-SP) pede a palavra e, em menos de 30 segundos, parabeniza os artistas circenses pelo Dia do Circo.
“Hoje é o Dia do Circo. Que venham outros dias, outros dias, mais dias e outros dias!”, ele diz.
Sete anos depois, esse continua sendo o último discurso de Tiririca no plenário da Câmara. Ele continua exercendo o mandato depois de ter sido reeleito em 2014, 2018 e 2022. Mas o deputado mais votado do país em 2010, famoso pelo slogan “Pior do que tá não fica”, agora coloca em xeque seu próprio jargão.
No décimo quinto ano como deputado, Tiririca já custou mais de R$ 22 milhões aos cofres públicos. Mas sua atuação dentro da Câmara dos Deputados passou de irrelevante ao invisível ao longo dos anos.
Voto de protesto: um palhaço no Congresso
Tiririca, ou Francisco Everaldo Oliveira Silva, já era um humorista conhecido quando decidiu se lançar à política. Em 2010, ele chegou ao Congresso com impressionantes 1,3 milhão de votos.
Sua eleição foi amplamente interpretada como um voto de protesto do eleitorado brasileiro, uma ironia à política tradicional: eleger um palhaço para o Congresso. Ainda não havia Lava Jato, os atos de 2013 não haviam acontecido e ninguém podia imaginar que a presidente da República seria cassada em 2016. Tiririca foi um dos primeiros símbolos da insatisfação popular no Brasil pós-Lula.
Mas ele não conseguiu deixar um legado significativo em seus quatro mandatos consecutivos. Nem mesmo como um deputado antissistema.
O que Tiririca fez em 15 anos
Ao longo dos 15 anos como deputado federal, Tiririca fez meros seis discursos em plenário e foi relator em 17 projetos de lei. A relatoria é um indicativo de prestígio do parlamentar entre os colegas. O de Tiririca não vai bem: a última vez que ele foi relator de uma proposta foi em 2018.
Para se ter uma ideia do que representam estes números, o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP) fez 44 pronunciamentos e relatou 17 projetos de lei apenas em 2025. Colega de partido de Tiririca, Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) tem seis discursos e nove propostas relatadas neste ano.
Tiririca também propôs 40 Projetos de Lei (PL). Nenhum desde 2019 (excluídos os projetos de autoria coletiva, nos quais vários deputados aparecem como coautores).
Entre suas propostas, muitas são voltadas ao circo e seus profissionais, como o PL 8551/2017, que propõe isentar estes artistas do pagamento de pedágio em rodovias federais.
Há outras temáticas, a exemplo da proposta para não cobrar taxa no Enem de doadores de sangue e a de liberar funcionários nos meses do Outubro Rosa e Novembro Azul para realização de exames de câncer de mama e câncer de próstata. Nenhuma das ideias de Tiririca se tornou lei.
Chateado, mas não tanto
Segundo os dados da Câmara dos Deputados, os pronunciamentos de Tiririca no plenário foram raros: um em 2016, quatro em 2017, um em 2018. E só.
A maioria dos discursos levou apenas alguns segundos. Em 2017, no entanto, Tiririca fez um discurso mais longo que ganhou o noticiário. Ele afirmou estar decepcionado com o que viu em seus anos na Câmara até aquele momento. O palhaço iria se aposentar da política.
“Senhor Presidente, senhoras e senhores deputados, subo a esta tribuna pela primeira vez e pela última vez; não por morte, mas porque estou abandonando a vida pública”, disse ele à época.
Já na época, Tiririca reconheceu que não havia produzido muito como parlamentar. “Estou muito chateado, mesmo, com a nossa política e com o nosso Parlamento. Não fiz muita coisa, mas pelo menos fiz aquilo pelo que sou pago para fazer, que é estar aqui e votar de acordo com o povo”, afirmou.
Mas Tiririca não saiu da vida política e foi reeleito depois. Se nas próprias palavras ele não fez “muita coisa” até ali, a produtividade do deputado-palhaço ficou ainda menor de lá para cá.
De onde são os gastos de mais de R$ 22 milhões
Os deputados federais não são remunerados de acordo com a produtividade.
Ao longo dos 15 anos, Tiririca gastou R$ 2.413.969 das cotas parlamentares (para despesas com a atividade de deputado) e R$ 13.389.082 da verba do gabinete (a contratação de assessores)
Some-se a esse montante o auxílio-moradia, que desde 2018 totalizou R$ 186,5 mil.
Já o salário começou em R$ 26,7 mil e atingiu R$ 46,4 mil em 2025. Considerando os pagamentos mensais e décimo terceiro, o contracheque de Tiririca custou aproximadamente R$ 6,3 milhões aos cofres públicos.
Apenas com os itens listados acima, Tiririca já custou R$ 22,3 milhões desde que foi eleito. Mas a soma real do “quanto ficou essa brincadeira” é ainda maior. A verba do gabinete dos dois primeiros anos, assim como informações sobre o auxílio para moradia até 2017 não constam nas contas do deputado no site da Câmara.
Efeito Tiririca
À época da primeira eleição do deputado-palhaço, especialistas cunharam o termo “Efeito Tiririca” para descrever a estratégia de partidos que se valiam da legislação eleitoral para eleger um puxador de votos capaz de arrastar outros candidatos. Por essa lógica,Tiririca era útil como um candidato espalhafatoso, mesmo que na Câmara sua atuação fosse tímida.
O analista político e professor de História do Colégio Presbiteriano Mackenzie Tamboré Victor Missiato explica que a “espetacularização da política” é um fenômeno que emergiu entre os anos 1970 e 1980 e se consolidou em vários países. “Em um primeiro momento, isso acontecia com candidatos mais eloquentes e depois com os mais caricatos”, diz ele.
Para Missiato, pessoas públicas que misturam política e entretenimento atraem as pessoas pela identificação, especialmente com slogans simples, como “Pior do que está não fica” e “O que é que faz um deputado federal? Na realidade, eu não sei. Mas vote em mim que eu te conto”.
“Tiririca representa muito bem essa aproximação do tempo presente com a política que exige mudanças profundas, mas que não acontecem em um tempo curto, sem nenhum tipo de expectativa”, diz o analista político.
O legado de Tiririca
Missiato diz que com Tiririca, a espetacularização da política chegou a outro nível. “Ao mesmo tempo que era uma crítica e deboche, o voto nele se transformou em resistência e protesto. Só que ele também acabou virando um candidato que puxa votos”, diz Missiato.
“Ele veio com slogans muito simples, tem uma atuação discreta, mas, ao mesmo tempo, nenhuma denúncia de corrupção relativa a ele. E aí muitos candidatos surfam nessa onda da espetacularização da política que ainda é muito forte”, afirma o analista.
O “Efeito Tiririca” motivou o Congresso a alterar as regras para limitar o peso dos “puxadores de votos”. Hoje, só pode assumir uma cadeira no Parlamento o candidato que obtiver no mínimo 10% do quociente eleitoral. Pegar carona na votação de figuras populares ainda é possível, mas se tornou mais difícil.
Esse talvez seja o maior (e único) legado de Tiririca.
A reportagem da Gazeta do Povo fez contato com o gabinete do deputado, mas não recebeu resposta.